Fúlvio d’Alambert, confrade e amigo, por pouco tem um enfarte:
— Receita de comida? Assim, não mais? Ao menos para tapear a coloque num diálogo vivo e pitoresco entre a moça e a cozinheira, durante o qual esta última ensina a receita, de quando em quando interrompida pela paulista com perguntas e exclamações. Afinal, que pretende você nos impingir? Romance ou livro de cozinha?
— Sei lá!
A literatura tem cânones precisos, se a queremos exercer devemos respeitá-los, ensina-me o erudito D’Alambert. Duvido — se teve já não tem. Outro dia, jovem e genial diretor de teatro, o gostosão, o ai-jesus da crítica, explicou-me ser o texto o elemento de menor valia numa peça, quanto menos o ouça o espectador melhor para a compreensão e a qualidade do espetáculo. Diante disso, atrevo-me e, em seguida, passo a transcrever a receita de mestra do coco e do dendê.
Ingredientes:
duas xícaras de maturi;
quatro espetos de camarão seco;
quatro colheres de sopa de óleo (de soja, de amendoim ou de algodão);
três colheres de sopa de azeite doce, digo de azeite de oliva, português, italiano ou espanhol;
três tomates;
um pimentão;
um coco grande;
uma cebola também grande;
uma colher de extrato de tomate;
seis ovos;
coentro e sal — o necessário.
Afervente os maturis e os tempere com alho, sal e extrato de tomate. Ponha o camarão seco de molho por algum tempo, depois o cate e o passe na máquina de moer juntamente com o coentro, o tomate e o pimentão.
Leve ao fogo uma caçarola com óleo e as cebolas cortadas para refogar. A seguir, junte os maturis e o camarão seco passado na máquina com os temperos. Deixe apurar. Coloque então na caçarola a massa de meio coco ralado de costas — de costas, o detalhe é importante se quiser que a massa do coco ralado saia como um fino creme — e o leite da outra metade, extraído do bagaço com o auxílio de meia xícara de água. Deixe cozinhar um pouco e acrescente o azeite doce e três ovos batidos, primeiro as claras, depois as gemas. Junte um pouco de farinha de trigo aos ovos. Prove para ver se o paladar está a gosto.
Por fim, tudo suficientemente cozido, coloque em assadeira untada com óleo para nela assar a frigideira de maturi, que será coberta com três ovos batidos, clara e gema juntos, e uma borrifada de farinha. Ponha a dourar em forno quente. Só retire o quitute da assadeira quando ela estiver bem fria.
Aí está, em grifo, a cobiçada receita. Difícil mesmo é obter os maturis, não se encontram à venda. Se o leitor pedir por gentileza a Camafeu de Oxossi ou a Luiz Domingos, filho da finada Maria de São Pedro, ambos estabelecidos no Mercado Modelo da Bahia, talvez um deles obtenha e forneça uma ou duas mãos da castanha verde e tenra com sabor de virgem.
Ainda mais difícil será conseguir o ponto justo, o paladar divino. Por mais correta a receita, por mais estritamente observadas as leis da culinária, tudo depende do talento e do ofício da cozinheira, do mestre-cuca, do cordon-bleu — igual à literatura.
O melhor, o mais garantido, é encomendar o prato a Indayá, recebê-lo feito, regalar-se. Prometi aos leitores um brinde, ofereço dois, ambos de graça: a receita e o conselho.