O Self-Service em A Primeira Mulher — Miguel Sanches Neto (2008)

 Eu já estava no portão, apressando o passo, quando o porteiro, segurando a porta, que permanecia aberta, disse:

— Mas não pense que só trabalhei. Tirei um domingo para pescar com a família.

Não olhei para trás e segui sem saber se ele tinha ou não pescado muito peixe. Nem imaginava em que rio ele fora e se a mulher levara aquela vizinha que também gostava de se distrair à beira de um rio. Eu não me distraía nunca.

No caminho para o mercado, sentindo-me irritado com aquela conversa cheia de lugares-comuns, parei em um bufê para almoçar, desistindo das pizzas. Jamais gostei de comida a quilo, embora seja um animal sem o menor requinte culinário. Os restaurantes self-service oferecem uma variedade alimentar que acaba intensificando nossa mania de misturar coisas e não sentir o gosto de nada. Põe-se de tudo no prato, até frutas em calda, e o que se come é uma espécie de lavagem requintada, sobra de todas as panelas. Eu me servi apenas de arroz, feijão, um pedaço de carne e tomate. Na hora de pesar a comida, uma das operações mais odiosas desse tipo de restaurante, pois era uma oportunidade de devassarem nossas preferências, quem me atendeu olhou com desprezo o meu prato. Os outros eram coloridos, quase um parque de diversão. O meu tinha uma monotonia de cores. Ele devia ter pensado taí um que não sabe apreciar a vida. Tanta coisa diferente e eu escolhendo o de sempre. Entregou-me o tíquete com o peso de minha refeição sem sequer me oferecer um refrigerante, como fazia aos demais.

Sentei-me em uma das mesas e comi o mais rápido possível, para abandonar aquele lugar em que a vulgaridade ficava estampada na grande festa de cores e calorias, numa mistura de cheiros que lembrava fim de feira.

Comprei as pizzas, concluindo que elas eram a miniaturização desses restaurantes, havia de tudo sobre as massas. Eu me submetia a isso por comodidade ou por falta de iniciativa. Mas tanto fazia ir a um self-service ou me alimentar com pizza, tudo a mesma coisa.