Dietas em O Balneário — Manuel Vázques Montalbán (1986)

 Enquanto os homens se interessavam pelo telejornal, as mulheres intercambiavam receitas dietéticas que no futuro iriam tanto lhes subtrair quilos quanto somar prazeres do paladar agora vedados. E dava pena ver como a farta publicidade de produtos alimentícios era recebida pelos jejuadores com gemidos de impotência e desespero. O trauma do jejum e da conta imaginável, porém, desviava a reação primitiva de pular sobre o televisor para lamber as mais amarelas maioneses ou as mais fossilizadas bolachas, e era frequente que, depois da queda na tentação da autocompaixão, imperasse um tom de voz que incluía expiação moral e complexo de culpa, ampliado a ponto de pretender completar a realidade com o desejo.

— Como gosto de maionese, e como engorda.

— Pois use óleo de milho, que engorda menos, ou óleo de parafina, que não engorda nada.

— Mas o óleo de parafina faz mal à saúde. Li no ABC.

— Faz mal se for usado para fritar, mas não para fazer maionese.

— E essas bolachas! Você viu essas bolachas?

— Pois estão cheias, cheinhas de calorias. Compro daquelas dietéticas, que não têm açúcar e são muito gostosas.

— Olhe. Olhe só o que anunciam!

As sopas concentradas, consideradas desprezíveis em outras circunstâncias, tinham o mais formoso tecnicólor, como nem a Columbia Broadcasting conseguira nos seus melhores tempos. E era essa imagem de cozinha elaborada que impulsionava os telespectadores a começar um frenético intercâmbio de receitas, predominantemente vegetarianas, que no futuro os deixariam tão felizes quanto magros e saudáveis. As berinjelinhas ao estragão de dona Solita transformaram a sala de televisão numa sala de aula cheia de estudantes do sexo feminino tomando notas com as suas canetas Must, de Cartier: "Colocar as berinjelas e os tomates cortados numa caçarola. Acrescentar o suco de um limão, duas azeitonas picadas e uma colherzinha de estragão. Cozinhar em fogo lento e abafado durante uma hora". É só isso? Só isso. Porque a coisa tem pouca substância. Como assim, a coisa tem pouca substância? Quem se admirava dessa maneira era uma dama ex-farmacêutica que tinha conservado suas veleidades culturais de celibato para ocasiões como a que estava vivendo. A berinjela contém sódio, fósforo, cálcio, magnésio, potássio, protídeos, vitamina C em abundância, vitamina A, vitamina PP, vitamina B1, vitamina B2. Não tinha a mesma opinião um cavalheiro lento em suas exposições, mas que falava com toda a segurança adquirida ao passar metade da vida entre Nova York e Madri por causa do seu negócio de antiguidades. A berinjela, opinou, é um alimento medíocre que, embora realmente tenha poucas calorias, também dá pouca energia, é indigesto e tóxico para a fibra cardíaca. Muito relativamente! Muito relativamente!, argumentava a ex-farmacêutica em retirada e de repente desencadeava um fulminante ataque de berinjela em riste: Você não vai negar que tem propriedades diuréticas e laxantes. Não. Ele não negava, mas a salsinha, por exemplo, tem as mesmas propriedades diuréticas e, além do mais, não tem contraindicações. Mencionar a salsinha no Balneário era prova de extrema segurança na própria linha argumentativa ou de temeridade máxima, porque a salsinha unificava os gostos de todos os caldos vegetais dos jejuadores e houve quem rebatizasse o Balneário com o nome de Vila Salsinha. Não me fale de salsinha. Não me fale de salsinha. Era um clamor. Mas o cavalheiro não estava disposto a se desdizer e se entregou a uma defesa e ao elogio da salsinha partindo da sua própria modesta forma e economia para chegar, por comparação referencial, à afirmação de que poucos alimentos são tão baratos e tão completos, rica como ela é em vitamina A, como nenhum outro vegetal, e nem falemos nas vitaminas C, BI, B2 e K. Além disso, a quantidade de cálcio que a salsinha contém lhe dá um valor mineralizante, e a relação cálcio-fósforo, que em quase todas as outras verduras só atinge o índice um ou dois, na salsinha chega a quatro.

— E ainda por cima é um dos poucos alimentos que não têm contraindicações.

Diante de tamanha ciência, amainou o ímpeto da indignação e logo depois fraquejaram as vozes críticas, algumas até lembrando as argumentações de madame Fedorovna a favor da salsinha, nas suas sessões de reeducação dietética. Não é que os espanhóis frequentassem essas aulas com muito entusiasmo, mas madame Fedorovna, boa conhecedora da psicologia nativa, tinha o costume de marcar de perto a colônia espanhola nas horas anteriores à palestra para obrigá-los, com a sua poderosa presença, a entrar na sala de conferências, onde dava conselhos regenerativos baseados em prescindir de noventa por cento do que constituía o mais agradável da memória gastronômica espanhola, além de algumas fobias complementares, como a que madame Fedorovna tinha contra o presunto doce, embuste industrial e tóxico contra o qual vinha mantendo duro e implacável combate havia lustros. Segundo madame Fedorovna, o presunto doce era tão adulterado quanto a mortadela, e qualquer coisa menos presunto, mas, acima de tudo, os corantes e aromatizantes químicos eram contraindicação suficiente diante da única possível qualidade do produto: seu baixo índice calórico em comparação com o desdenhável presunto serrano. A cara que madame Fedorovna fazia quando se empenhava em destruir o mito do presunto serrano reaparecia nos pesadelos dos asilados quando sonhavam com sanduíches de presunto, no caso dos catalães com tomate no pão, e pão e presunto puros no sanduíche dos demais espanhóis. Era possivelmente o que eles menos perdoavam em madame Fedorovna, de quem aceitavam até mesmo sua condenação da tortilha de batata como um dos males dietéticos que mais contribuíam para a ruína física dos espanhóis.


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Contracapa: Manuel Vázquez Montalbán nasceu em 1939 e foi, até sua morte em 2003, o autor espanhol mais vendido e traduzido no mundo. Da série policial Pepe Carvalho, a Companhia das Letras publicou O homem de minha vida, O labirinto grego, Os mares do Sul, O quinteto de Buenos Aires, A Rosa de Alexandria e Milênio.

Nos balneários nunca acontece nada, até que um dia acontece. Então se perdem os bons modos e a educação, a saúde, e até a vida. É o que descobrirá o detetive Pepe Carvalho ao passar quinze dias num spa que promete purgar o seu organismo. Nada mais triste do que um gourmet como Carvalho se ver confinado num centro vegetariano de reeducação alimentar. Mas quinze dias de sofrida expiação lhe darão direito a mais dez anos de calóricos pecados gastronômicos, e o sacrifício vale a pena. Tanto mais que seus colegas de spa — militares, uma viúva rica, industriais, ex-nazistas e, obviamente, naturistas — vão se envolver numa epidemia de mistérios, crimes, casos de espionagem, ciúme e amor. Pepe Carvalho levará a sério não só o regime mas suas artes detetivescas. E a gastronomia, marca registrada dos romances em que é o protagonista, dará lugar a uma dieta mortal.