Enquanto os homens se interessavam pelo telejornal, as mulheres intercambiavam receitas dietéticas que no futuro iriam tanto lhes subtrair quilos quanto somar prazeres do paladar agora vedados. E dava pena ver como a farta publicidade de produtos alimentícios era recebida pelos jejuadores com gemidos de impotência e desespero. O trauma do jejum e da conta imaginável, porém, desviava a reação primitiva de pular sobre o televisor para lamber as mais amarelas maioneses ou as mais fossilizadas bolachas, e era frequente que, depois da queda na tentação da autocompaixão, imperasse um tom de voz que incluía expiação moral e complexo de culpa, ampliado a ponto de pretender completar a realidade com o desejo.
— Como gosto de maionese, e como engorda.
— Pois use óleo de milho, que engorda menos, ou óleo de parafina, que não engorda nada.
— Mas o óleo de parafina faz mal à saúde. Li no ABC.
— Faz mal se for usado para fritar, mas não para fazer maionese.
— E essas bolachas! Você viu essas bolachas?
— Pois estão cheias, cheinhas de calorias. Compro daquelas dietéticas, que não têm açúcar e são muito gostosas.
— Olhe. Olhe só o que anunciam!
As sopas concentradas, consideradas desprezíveis em outras circunstâncias, tinham o mais formoso tecnicólor, como nem a Columbia Broadcasting conseguira nos seus melhores tempos. E era essa imagem de cozinha elaborada que impulsionava os telespectadores a começar um frenético intercâmbio de receitas, predominantemente vegetarianas, que no futuro os deixariam tão felizes quanto magros e saudáveis. As berinjelinhas ao estragão de dona Solita transformaram a sala de televisão numa sala de aula cheia de estudantes do sexo feminino tomando notas com as suas canetas Must, de Cartier: "Colocar as berinjelas e os tomates cortados numa caçarola. Acrescentar o suco de um limão, duas azeitonas picadas e uma colherzinha de estragão. Cozinhar em fogo lento e abafado durante uma hora". É só isso? Só isso. Porque a coisa tem pouca substância. Como assim, a coisa tem pouca substância? Quem se admirava dessa maneira era uma dama ex-farmacêutica que tinha conservado suas veleidades culturais de celibato para ocasiões como a que estava vivendo. A berinjela contém sódio, fósforo, cálcio, magnésio, potássio, protídeos, vitamina C em abundância, vitamina A, vitamina PP, vitamina B1, vitamina B2. Não tinha a mesma opinião um cavalheiro lento em suas exposições, mas que falava com toda a segurança adquirida ao passar metade da vida entre Nova York e Madri por causa do seu negócio de antiguidades. A berinjela, opinou, é um alimento medíocre que, embora realmente tenha poucas calorias, também dá pouca energia, é indigesto e tóxico para a fibra cardíaca. Muito relativamente! Muito relativamente!, argumentava a ex-farmacêutica em retirada e de repente desencadeava um fulminante ataque de berinjela em riste: Você não vai negar que tem propriedades diuréticas e laxantes. Não. Ele não negava, mas a salsinha, por exemplo, tem as mesmas propriedades diuréticas e, além do mais, não tem contraindicações. Mencionar a salsinha no Balneário era prova de extrema segurança na própria linha argumentativa ou de temeridade máxima, porque a salsinha unificava os gostos de todos os caldos vegetais dos jejuadores e houve quem rebatizasse o Balneário com o nome de Vila Salsinha. Não me fale de salsinha. Não me fale de salsinha. Era um clamor. Mas o cavalheiro não estava disposto a se desdizer e se entregou a uma defesa e ao elogio da salsinha partindo da sua própria modesta forma e economia para chegar, por comparação referencial, à afirmação de que poucos alimentos são tão baratos e tão completos, rica como ela é em vitamina A, como nenhum outro vegetal, e nem falemos nas vitaminas C, BI, B2 e K. Além disso, a quantidade de cálcio que a salsinha contém lhe dá um valor mineralizante, e a relação cálcio-fósforo, que em quase todas as outras verduras só atinge o índice um ou dois, na salsinha chega a quatro.
— E ainda por cima é um dos poucos alimentos que não têm contraindicações.
Diante de tamanha ciência, amainou o ímpeto da indignação e logo depois fraquejaram as vozes críticas, algumas até lembrando as argumentações de madame Fedorovna a favor da salsinha, nas suas sessões de reeducação dietética. Não é que os espanhóis frequentassem essas aulas com muito entusiasmo, mas madame Fedorovna, boa conhecedora da psicologia nativa, tinha o costume de marcar de perto a colônia espanhola nas horas anteriores à palestra para obrigá-los, com a sua poderosa presença, a entrar na sala de conferências, onde dava conselhos regenerativos baseados em prescindir de noventa por cento do que constituía o mais agradável da memória gastronômica espanhola, além de algumas fobias complementares, como a que madame Fedorovna tinha contra o presunto doce, embuste industrial e tóxico contra o qual vinha mantendo duro e implacável combate havia lustros. Segundo madame Fedorovna, o presunto doce era tão adulterado quanto a mortadela, e qualquer coisa menos presunto, mas, acima de tudo, os corantes e aromatizantes químicos eram contraindicação suficiente diante da única possível qualidade do produto: seu baixo índice calórico em comparação com o desdenhável presunto serrano. A cara que madame Fedorovna fazia quando se empenhava em destruir o mito do presunto serrano reaparecia nos pesadelos dos asilados quando sonhavam com sanduíches de presunto, no caso dos catalães com tomate no pão, e pão e presunto puros no sanduíche dos demais espanhóis. Era possivelmente o que eles menos perdoavam em madame Fedorovna, de quem aceitavam até mesmo sua condenação da tortilha de batata como um dos males dietéticos que mais contribuíam para a ruína física dos espanhóis.
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Contracapa: Manuel Vázquez Montalbán nasceu em 1939 e foi, até sua morte em 2003, o autor espanhol mais vendido e traduzido no mundo. Da série policial Pepe Carvalho, a Companhia das Letras publicou O homem de minha vida, O labirinto grego, Os mares do Sul, O quinteto de Buenos Aires, A Rosa de Alexandria e Milênio.
Nos balneários nunca acontece nada, até que um dia acontece. Então se perdem os bons modos e a educação, a saúde, e até a vida. É o que descobrirá o detetive Pepe Carvalho ao passar quinze dias num spa que promete purgar o seu organismo. Nada mais triste do que um gourmet como Carvalho se ver confinado num centro vegetariano de reeducação alimentar. Mas quinze dias de sofrida expiação lhe darão direito a mais dez anos de calóricos pecados gastronômicos, e o sacrifício vale a pena. Tanto mais que seus colegas de spa — militares, uma viúva rica, industriais, ex-nazistas e, obviamente, naturistas — vão se envolver numa epidemia de mistérios, crimes, casos de espionagem, ciúme e amor. Pepe Carvalho levará a sério não só o regime mas suas artes detetivescas. E a gastronomia, marca registrada dos romances em que é o protagonista, dará lugar a uma dieta mortal.