Café da manhã inusitado em O Nariz de Nicolai Gogol (1835)

 Em Petersburgo, no dia 25 de março, aconteceu um caso espantoso e estranho. O barbeiro Ivan Iacovlievitch, morador da rua Voskressienskaia (seu sobrenome, por isso mesmo, se perdera na tabuleta, em que se via um homem de rosto ensaboado, com o letreiro "Também fazemos sangria" - e mais nada), acordou bem cedo e sentiu cheiro de pão quentinho. Ao levantar-se da cama, viu a mulher, senhora mui respeitável e grande apreciadora de café, tirando naquele momento o pão do forno.

- Prascóvia Ossipovna, hoje não quero tomar café - afirmou Ivan Iacovlievitch. Em vez disso, sinto vontade de comer pão quente com cebola.

(Se bem que Ivan Iacovlievitch apreciasse saborear ambos, sabia muito bem que não poderia exigir tudo ao mesmo tempo, pois Prascóvia Ossipovna não gostava dessas manias.) "Que o idiota coma pão! Melhor assim!", pensou ela. "Sobrará mais café para mim." E jogou um pão em cima da mesa.

Para se dar mais respeito, Ivan Iacovlievitch vestiu o fraque por cima da camisola, sentou-se à mesa, apanhou sal, duas cabeças de cebola, e, ao apanhar a faca com pose de grave imponência, pôs-se a cortar o pão. Depois de dividi-lo em dois, olhou dentro dos pedaços e, para sua enorme surpresa, avistou alguma coisa esbranquiçada. Cuidadosamente, sondou a parte com a faca, depois apalpou-a: "Sólido!", disse para si mesmo. "Que será?"

Meteu o dedo no miolo, puxou: era um nariz... Ivan Iacovlievitch deixou os pedaços caírem; esfregou os olhos e depois apalpou a coisa: um nariz, um nariz de verdade, nariz mesmo! E, para grande pavor seu, tudo indicava pertencer a alguém já falecido. O pânico estampou-se em seu rosto. Pânico, no entanto, que não era nada diante da ira que tomou conta de sua esposa.

- Onde foi que você cortou fora este nariz, animal! - esbravejou a mulher, indignada. - Velhaco! Bêbado! Vou contar tudo para a polícia, seu bandido! Três pessoas bem que já me haviam avisado que quando você faz a barba de alguém chega a puxar tanto o nariz que por pouco não o arranca...

Ivan Iacovlievitch, por outro lado, estava mais morto do que vivo. Logo percebera que aquele nariz pertencia, nada mais, nada menos, que ao inspetor-geral Kovaliov, cuja barba costumava fazer todas as quartas e domingos.