Comida de monges em O Nome da Rosa — Umberto Eco (1980)

 A cozinha era um imenso átrio cheio de fumo, onde já muitos servos se apressavam a dispor os alimentos para a ceia. Sobre uma grande mesa, dois deles preparavam uma empada de verdura, cevada, aveia e centeio, cortando em pedacinhos nabos, agriões, rabanetes e cenouras. Ao lado, um outro cozinheiro tinha acabado de cozer alguns peixes numa mistura de vinho e água, e estava-os cobrindo com um molho composto de sálvia, salsa, tomilho, alho, pimenta e sal.

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Na parede que correspondia ao torreão ocidental abria-se um enorme forno para o pão, onde já relampejavam chamas avermelhadas. No torreão meridional, uma imensa chaminé, sobre a qual ferviam panelões e giravam espetos. Pela porta que dava para a eira atrás da igreja entravam naquele momento os porqueiros trazendo as carnes dos porcos degolados. Saímos antes por aquela porta e encontramo-nos na eira, na extremidade oriental do planalto, ao abrigo das muralhas, onde se erguiam muitas construções. Severino explicou-me que a primeira era o conjunto das estrumeiras, depois ficavam as estrebarias dos cavalos, depois os estábulos dos bois, e as capoeiras, e o recinto coberto das ovelhas. Diante das estrumeiras, os porqueiros remexiam numa grande jarra o sangue dos porcos acabados de degolar, a fim de que não coagulasse. Se fosse remexido bem e depressa, resistiria depois durante os dias seguintes, graças ao clima rigoroso, e finalmente fariam com ele chouriços de sangue.

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Comemos carne no espeto, dos porcos acabados de matar, e reparei que para outros alimentos não se usava gordura de animais nem óleo de colza, mas um bom azeite de oliveira, que vinha de terrenos que a abadia possuía aos pés do monte para o lado do mar. O Abade fez-nos provar (reservado para a sua mesa) aquele frango que tinha visto preparar na cozinha. Notei que, coisa bastante rara, ele dispunha também de um garfo de metal, que, pela forma, me recordava as lentes do meu mestre: homem de nobre extração, o nosso hospedeiro não queria sujar as mãos com a comida, e até nos ofereceu o seu instrumento ao menos para tirar as carnes do prato grande e pô-las nas nossas escudelas. Eu recusei, mas vi que Guilherme aceitou de bom grado e se serviu com desenvoltura daquele utensílio de senhores, talvez para provar ao Abade que os franciscanos não eram pessoas de escassa educação e de extração humilíssima.

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Antes de subir ao scriptorium passamos pela cozinha para nos restaurarmos, porque não tínhamos ainda tomado nada desde que nós tínhamos levantado. Revigorei-me logo bebendo uma tigela de leite quente. A grande chaminé meridional já ardia como uma forja, enquanto no forno se estava preparando o pão do dia. Dois cabreiros estavam depositando os restos de uma ovelha que acabavam de matar. Entre os cozinheiros vi Salvador, que me sorriu com a sua boca de lobo. E vi que tirava de uma mesa um resto do frango da noite anterior e o passava às escondidas aos cabreiros, que o ocultavam nas suas jaquetas de pele com um risinho de satisfação. Mas o cozinheiro-chefe apercebeu-se disso e repreendeu Salvador: — Despenseiro, despenseiro – disse -, tu deves administrar os bens da abadia, não dissipá-los!