Banquetes em O Satíricon de Petrônio (60)

Juntamente com pequenos pratos para antepasto, trouxeram para a mesa um burrinho de bronze de Corinto, carregando um alforge com azeitonas brancas de um lado e pretas de outro; sustentava ainda dois pratos, sobre os quais estava gravado o nome de Trimalchão e o seu peso em prata. Além disso, foram servidos, em graciosos pontezinhos, soldados uns nos outros, arganazes contornados com mel e papoulas, assim como salsichas bem quentes sobre uma grelha de prata, tendo embaixo ameixas da Síria e grãos de romã.

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E enquanto, no ardor do jogo, pronunciava as frases mais triviais do mundo, foi colocado diante de nós, que estávamos ainda no antepasto, um prato tendo em cima uma cesta, na qual se via, encolhida, uma galinha de madeira, com as penas em leque como se estivesse chocando. Aproximaram-se logo dois escravos e, sempre ao som da música, introduziram as mãos na palha, tirando do meio da mesma, ovos de pavão que distribuíram aos comensais.

Depois dessa surpresa, Trimalchão voltou-se para nós e disse:

Amigos, fui eu que ordenei que pusessem ovos de pavão sob a galinha. E, por Hércules, receio já estarem eles chocos! Experimentemos: talvez possam ainda ser engolidos facilmente.

Deram-nos colheres pesando não menos de meia libra, com as quais quebramos a casca dos ovos, feita com pasta de farinha. Quase atirei fora o que tocara, pois que me pareceu ver saltar um pintinho. Mas ouvi um comensal de profissão dizer:

- Quem poderá adivinhar a cousa boa que está aqui dentro! Continuei, então, a quebrar a casca com a mão, e encontrei um papafigo dos mais gordos, nadando em gema de ovo apimentada.

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Depois deste elogio da vida, foi-nos servido um outro prato que, ainda que não correspondendo à nossa expectativa, atraiu pela sua novidade os olhares de todos.

Era uma vasilha em forma de globo que tinha em volta os doze signos do Zodíaco; sobre cada um o cozinheiro artista colocara uma iguaria que estava em estreita relação com a respectiva constelação: sobre Áries grãos de bico da primavera; sobre o Touro um pedaço de carne de vaca; sobre os Gêmeos testículos e rins; sobre o Câncer uma coroa; sobre o Leão figos da África; sobre a Virgem uma vulva de porca jovem; sobre a Balança uma balança que tinha num dos pratos um bolo e no outro uma torta; sobre o Escorpião, um peixinho do mar; sobre o Sagitário uma lebre; sobre o Capricórnio uma lagosta; sobre o Aquário um ganso; e sobre os Peixes dois salmonetes. No meio da vasilha via-se um favo de mel sobre um tufo de ervas.

Um escravo egípcio oferecia pão num pequeno forno portátil de prata, cantando com uma voz mais que fastidiosa um trecho do mimo do Vendedor de Sílfio. E como nós não manifestássemos entusiasmo ante pratos tão ordinários, Trimalchão disse:

- Amigos, servi-vos; esta é a ordem da ceia.

Mal acabara de falar e apareceram, dançando ao som de música, quatro escravos, que descobriram a vasilha. Vimos, então, no fundo da mesma - isto é, num segundo prato - pássaros gordos recheados, e, no meio, uma lebre com asas, representando Pégaso.

Notamos depois nos cantos da vasilha, quatro figuras de sátiros que, munidos de pequenos odres, molhavam com um molho de pimenta os peixes, no qual estes nadavam como no estreito de Euripo.

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E assim gira o mundo, como a roda de um moinho, trazendo-nos sempre algum mal, nasça ou morra o homem. E o tufo de erva com o favo de mel que a vasilha traz ao centro tem como as outras cousas a sua explicação: é que a terra, nossa mãe comum, está no centro do universo, arredondada como um Ovo; e contém, precisamente como se fosse um favo, todas as espécies de cousas boas.

- Oh! que sabedoria! - foi a exclamação geral.

E, levantando as mãos para o alto, juramos que nem Hiparco nem Aratus lhe poderiam ser comparados.

Entrementes, os servos entraram e estenderam sobre os leitos tapetes com desenhos coloridos que representavam caçadores à espreita, munidos de redes, venábulos e outros apetrechos de caça. Não sabíamos ainda o que poderia isso significar, quando ouvimos, vindo de fora, um vozeiro ensurdecedor. E, num instante, o triclínio foi invadido por cães da Lacônia, que corriam de um lado para outro, cm torno da mesa. Em seguida, conduzido sobre uma enorme armação, apareceu um javali de tamanho colossal, trazendo na cabeça um barrete de liberto; suspensas às suas presas viam-se duas pequenas cestas tecidas com ramos de palmeira, cheias, uma com tâmaras da Síria e outra com tâmaras do Egito.

Em volta do animal viam-se porquinhos de massa, os quais pareciam presos às tetas; tratava-se, assim, de uma javalina. Os porquinhos foram distribuídos, como presentes, aos convidados. Para dividir o javali não se apresentou aquele Trincha, que havia trinchado os pássaros, mas uma espécie de gigante barbudo, tendo as pernas apertadamente enfaixadas e um avental colorido. 

Com um facão de caçador, ele deu um forte golpe sobre o flanco do animal, e, pela abertura, saiu voando um bando de tordos.

Mas os passarinheiros estavam a postos com seus viscos e, num instante, apanharam-nos de novo, enquanto esvoaçavam pelo triclínio. Trimalchão determinou que os pássaros fossem distribuídos, um para cada comensal, dizendo logo depois:

- Reparai, agora, de que glandes delicados este porco selvagem se alimentava.

Em seguida, os servos tiraram das presas do animal os cestinhos e dividiram entre os convidados, em partes iguais, as tâmaras do Egito e as da Síria.

Enquanto isso se passava, eu, que estava num lugar afastado, dava tratos à bola procurando uma explicação para o fato de servirem um javali trazendo à cabeça um barrete. Depois de haver esgotado as mais extravagantes suposições, resolvi valer-me novamente do meu vizinho como intérprete. Depois de lhe haver dito o motivo do meu tormento, ele assim me respondeu:

- Até o teu servo, se te dirigisses a ele saberia explicar isso. Supões estar à frente de um enigma, quando a cousa é clara como a luz do sol. Este javali devia ser servido, ontem, em último lugar, mas os comensais, já saciados, dispensaram-no. Eis aí por que hoje, apresenta-se vestido como um liberto.

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Ele teria contado não sei quantas outras patranhas se não trouxessem num prato enorme, que ocupou toda a mesa, aquele porco gigantesco. A presteza do cozinheiro deixou-nos encantados: juramos que nem um galo poderia ter sido cozido em tão pouco tempo, tanto mais que o porco nos parecia de proporções ainda maiores do que o javali servido pouco antes. Mas Trimalchão, depois de observar o animal demoradamente, exclamou:

- Oh! Que vejo? Este porco não foi destripado! Por Hércules, está intato. Chamem depressa o cozinheiro.

Este apareceu com ar preocupado e, chegando perto da mesa, confessou que se esquecera de extrair as vísceras do animal. Trimalchão, então, fora de si, gritou:

- Esqueceu? Como? Este vagabundo supõe ter feito uma cousa insignificante, como se tivesse se esquecido, por exemplo, da pimenta e do cominho! Vamos dispam-no.

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Mas Trimalchão foi mais indulgente do que eu, pois tornando alegre o seu semblante severo, disse:

- Pois bem, desde que és sujeito a tais esquecimentos, destripa o porco aqui na nossa frente.

O cozinheiro depois de vestir novamente a túnica, empunhou uma enorme faca, e, ainda tremendo de medo, deu vários cortes no ventre do animal. Mais eis que das aberturas, que a pressão interna alargava cada vez mais, começaram a sair mortadelas e salsichas em grande quantidade. Os servos acolheram este prodígio com aplausos e gritaram juntos:

- Viva Gaio!

O cozinheiro foi muito festejado: deram-lhe de beber e recebeu como presente uma coroa de prata.