Rânia, tutora da loja, atara os laços com São Paulo, de onde vinham as novidades que enchiam as vitrines. Além de labiosa nos negócios, ela sabia controlar as despesas da casa, anotando cada níquel; mas cedeu, contrariada, à compra excessiva de peixe.
Nunca comemos tão bem. Peixes os mais variados, de sabor incomum, cobriam a mesa: costela de tambaqui na brasa, tucunaré frito, pescada amarela recheada de farofa. O pacu, o matrinxã, o curimatã, as postas volumosas e tenras do surubim. Até caldeirada de piranhas, a caju avermelhada e a preta, com molho de pimenta, fumegava sobre a mesa. E também pirão e sopa com sobras de peixe, farinha feita das espinhas e cabeças, bolinhos de pirarucu com salsa e cebola.
“Tanto peixe assim, não era de estranhar?”, contou Halim. “Zana encheu de peixe as duas geladeiras. Distribuía peixes para a vizinhança. Eu perguntava: Laysh? Por quê? Pra que tanto peixe? E ela: ‘Faz bem para os ossos, nossa carcaça está fraca’.”
Algo estranho havia nessa profusão de pescado, porque a época não era fértil: o rio estava longe de baixar, e longe estávamos da Sexta-Feira da Paixão. Enjoamos de tanto peixe. O pitiú era forte, os gatos e as varejeiras aninhavam-se no quintal, vieram os mendigos à cata das sobras, e toda essa fertilidade de alimento, que nos tornava generosos com homens e animais, durou os meses da estação chuvosa.