Alcatra no ponto em 'A Tradutora' romance de Cristovão Tezza (2016)

 Quando ele viu a peça de alcatra — ao ponto, como vocês pediram, disse a moça, mais com jeito de parente do dono do que de garçonete, como todos que ali atendiam; se mais tarde precisarem aquecer, é só dizer — depositada na mesa como uma oferenda pagã, Beatriz olhava para Erik, e não ao prato, à espera do que ele diria, terei acertado na sugestão?, e depois de dois segundos de um espanto simulado ele disse, Mas é enorme!, e abriu um sorriso, e ela sorriu também, Let’s dig in!, pegando os talheres, o cheiro da carne era uma presença impregnante e inebriante, Eu estava salivando de fome, ela contou, e Bernadete riu, Você é que está me deixando com fome só em contar, veja só essa gordurinha, e ele cortou um pequeno trecho da carne selada que soltava um fio de sangue por dentro, perfeito na ponta do garfo, depois entre os lábios, os olhos fechados, o balançar da cabeça, a lenta e consistente aprovação, hmm, mas isso é... e a palavra, inefável, não lhe vinha, até que ele acordou-se daquele egocentrismo faminto de criança e se lembrou de mim e se ofereceu impulsivo para me servir, Please, desculpe, eu fiquei tão... que... — e eu apenas admirando-lhe os gestos, feliz pela felicidade dele, e ele cortou um bom pedaço e colocou-o no meu prato, dizendo danke sehr, como se a gentileza fosse minha, e não dele. Experimente com a farinha, eu disse, e ele obedeceu imediatamente, ja ja, e muito da felicidade dele ao se entregar à carne parecia nascer mais do adiamento do encontro informal com a Coordenação da Copa em Curitiba do que de outra coisa, Sim, agora podemos enfim conversar à vontade, ele disse, como se não tivéssemos feito outra coisa desde que ele desceu no aeroporto; temos agora uma boa tarde de descanso. Num momento ele pousou os talheres e me olhou nos olhos, repetindo, gentil: Danke sehr. Você é uma companhia maravilhosa.