Carambolas em 'Vastas emoções e pensamentos imperfeitos' romance de Rubem Fonseca (1988)

Carambola boa para os intestinos
Rubem Fonseca
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O almoço foi numa sala íntima, na verdade um salão, onde Plessner costumava almoçar com seus convidados. Duas mulheres altas e bonitas, irrepreensivelmente maquiadas e penteadas, vestidas com elegância, nos serviam. Pareciam ter saído diretamente de um desfile de modas para vir nos servir. Todavia, pela segurança que exibiam via-se que estavam acostumadas àquele trabalho.

“Em Munique, se você perguntar, talvez, alguém lhe diga que sou um produtor interessado apenas em dinheiro. Na verdade, meu único objetivo é criar um bom produto. O dinheiro é acidental. Escolho o tema, leio o roteiro, dou uma ou outra sugestão sobre o casting, sobre alguns técnicos, apenas isso. Deixo o filme nas mãos do produtor executivo, no caso Dietrich, e do diretor. E como sempre escolho estes muito bem”, um sorriso sedutor sublinhou a última frase, “os meus filmes costumam ter êxito. Êxito é dinheiro.”

Quando as mulheres trouxeram a sobremesa tive uma surpresa. Uma enorme tigela cheia de carambolas foi colocada no centro da mesa. Eu não comia carambolas há anos, era uma das minhas frutas preferidas, com seu instigante gosto acre, mas raramente eram encontradas nos supermercados do Rio ou de São Paulo, apesar de crescerem facilmente em qualquer fundo de quintal.

“Sirva-se, são verdadeiras”, disse Plessner. “Sei que é uma fruta comum na sua terra.”

“Tão comum que você não a encontra mais”, respondi.

“Aqui você encontra”, disse Plessner com um sorriso. “No KDW. Não há nada, absolutamente nada, que você não encontre no KDW.”

“KDW?”

“É um supermercado. Há duas coisas que você não pode deixar de ver em Berlim: o KDW e a Filarmônica. Peça a Veronika para levá-lo a estes dois lugares.”

Plessner pegou uma das carambolas e colocou-a no seu prato de sobremesa.

“Uma fruta estranha, bem tropical.”

“Mas acho que foi levada da China para o Brasil, há muitos anos, provavelmente pelos portugueses”, eu disse.

“Não deixa de ser estranha por isso.”

“É verdade.”

Plessner ficou olhando a carambola em seu prato, como se ela fosse um animal de duas cabeças.

“Parece artificial. Feita de massa.”

“Elas são assim mesmo.”

“Como é que a gente come isso?”

Peguei minha carambola com a mão e dei-lhe uma dentada.

“Assim.”

Plessner pegou sua fruta e deu uma pequena mordida. Mastigou. “Fibrosa. Deve ser boa para os intestinos. Para mim é um pouco ácida”, ele disse colocando a carambola mordida de volta no prato.

Comi três.

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Vastas emoções e pensamentos imperfeitos
1988
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Rubem Fonseca (1925-2020) foi um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, reconhecido por sua linguagem ágil e inovadora e por sua capacidade de retratar a complexidade da sociedade brasileira. Com uma carreira literária iniciada na década de 1960, Fonseca publicou romances, contos, crônicas, ensaios e roteiros de cinema. Seus textos costumam tratar de temas como violência, corrupção, sexo e poder, explorando a realidade de forma crua e direta.