Feijoada em BerlimIgnácio de Loyola Brandão_________________________
Terra sigillata: feijoada em Berlim, cidade que foi um pântano e hoje repousa sobre areia branca e fina.
Comida depende da mão, timing exato, carinho. A receita é mapa de instruções, guia, farol de navegantes. Normalmente, a feijoada pede: feijão preto, é claro. Carne-seca. Bacon. Rabo, orelha, pé (de porco). Carne de porco. Língua, costela (salgadas). Língua, bacon (defumados). Salsichas de Frankfurt.
O feijão fica de molho doze horas. As carnes salgadas são cozidas duas vezes para diminuir o sal. Os ingredientes colocados numa panela de pressão com dois litros de água e cozidos por cinquenta minutos. Refogam-se alhos e cebolas em óleo, juntando aos ingredientes. Retira-se a tampa da panela de pressão e deixa-se o fogo brando por dez minutos, mexendo o feijão para melhor consistência. A feijoada vem acompanhada de farofa, arroz branco, couve e laranja em rodelas.
As feijoadas em Berlim são preparadas por aproximação. Adaptação de várias culturas que acabam se convergindo. O feijão preto vem da China ou do Chile. O da China é mais duro. A laranja é da Espanha ou de Israel. Na falta de paio (raridade), usa-se a linguiça turca. Sem carne-seca, alguns se atrevem a experimentar o kasseller, lombinho defumado, típico alemão. Não fica mal. Lojas de produtos espanhóis (a colônia é maior, mais organizada) vendem apetrechos que lembram ou substituem o rabo e o pé de porco. Pimenta se encontra nos negócios africanos. Na Karl Marx-Allee, em Neukölln, bairro agitadíssimo, repleto de imigrantes, a Portugália oferece produtos que servem para dar mais cor local. Na KaDeWe, elegante loja de departamentos, no sexto andar, o paraíso dos gourmets, encontra-se o limão galego brasileiro, vendido a peso de ouro. Também a pinga Pitu, ainda que não seja a melhor para caipirinhas e batidas. Entre a colônia brasileira funciona uma corrente de solidariedade, máfia verde-amarela. Quem tem farinha de mandioca, difícil e procuradíssima, com alta cotação, cede em troca (no futuro) de um pouco de paio. Quem viaja, tem obrigação de voltar com um farnel. A pinga está incluída. Pois a caipirinha feita com limão espanhol, vodca russa ou Schnaps alemão, adoçada com açúcar de beterraba, é tudo, menos a autêntica bebida brasileira, destinada a abrir o apetite e embriagar um pouco, provocando a euforia que lembra os sábados e domingos de verão, insolação e sonolência.