Feira livre em 'A Túnica e os Dados' romance de José Geraldo Vieira (1963)

 Então, à medida que o Juvenal e o Jaiminho iam andando, por entre as tendas da feira, a molecada ficou gritando: — Cesto e caixote! Cesto e caixote!...

Quanto toldo e quanta barraca! Parecia cinema colorido. Prédios, prédios e mais prédios, tudo com o sol batendo pelas paredes. Bondes. Ruas. Gente escolhendo coisas nas barracas. Donas de casas, senhoras com criadas e crianças, velhos, mocinhas, negras, cozinheiras, gente como quê. E que algazarra! Foram andando. Que cheirinho bom. Era café moído ali na hora, vendido em pacotinhos pesados à vista do freguês. Línguas de vaca, corações de boi, fígado, rins, tudo lustroso e vermelho. O coração dum boi tinha gordura em volta. Dentro dele entrava e de dentro dele saía sangue até à hora em que, no matadouro, taciturno e resignado, recebeu o golpe. Carne de porco; costeletas; rabos; munhecas; lombos, tudo em sal. Sacos de arroz, de feijão, de batatas, de ervilha, de fubá. Repolhos luzidios. Palmitos. Vagens. Réstias de cebolas e de alhos, em guirlandas, de se dançar com elas nos mares do sul, como Jaiminho vira numa fita em Marília, num domingo de fita de mocinho! tinha até música havaiana. O Luiz, filho do dr. Álvaro sabia imitar música havaiana pondo um copo rente das cordas do violão do pai. Um homem, de avental, serrava uma posta imensa de vitela. Latas de azeite. Um mundo de couve-flor. Paios. Salsichas. Linguiças. Presuntos. Farinha. Espigas de milho maduro, como dentaduras em série. Uvas e figos. Nos cartazes estava escrito: “Uvas de Jundiaí.” “Figos de Valinhos.” Peras e maçãs, vermelhas, azuis, roxas, encarnadas, violáceas. Laranjas. Pencas de bananas, ovos, todos carimbados. O engraçado do Juvenal disse que as galinhas engoliam, por ordem do governo, um carimbo que ficava em posição automática e zás! cada ovo já saía carimbado. Caixas de goiabada, marmelada, pessegada. Queijos de todo jeito e marca. E até o Juvenal mostrou e riu: “Hi! Hi! Hi!, papel higiênico em pacotes e em rolos.” Quanta gente! Quanto falatório! Que sotaques engraçados de nortistas, de italianos, de espanhóis, de sírios, de portugueses. E nisto, atravessaram para a calçada duma esquina que era só flores, flores e flores.