Mortadela, pão e vinhoLuiz Antonio de Assis Brasil___________________________
Mais fascinado ainda eu ficava quando o seguia a uma espécie de ritual: encaminhava-se para a cozinha, sentava-se na larga mesa, tirava da cintura um canivete e da bolsa de foles tirava um naco de mortadela que – no meu entender – vinha amarrada a uma garrafa de vinho tinto. Pedia à cozinheira um pão enorme, estendia tudo sobre a mesa e ali, com um prazer animal, cortava rodelas do fiambre, metia-as regularmente na boca, metia mais um pedaço de pão e emborcava grandes goles de vinho. Repetia essa cena a cada vez, e até hoje eu posso sentir o cheiro úmido da mortadela e o ácido do vinho. Ao cabo de meia hora ele estava bêbado, indo curtir o porre no galpão, sobre uma enxerga cambaia. Com alguma astúcia, eu juntava os farelos com as pontas dos dedos e lambia com sofreguidão as últimas gotas da garrafa abandonada. Da mortadela, eu comia as cascas. “Dá lombriga”, diziam as mulheres da cozinha, mas eu desejava lombrigas, e muitas, se me fosse permitido comer um pouco. Não que me faltasse comida – ao contrário, tinha-a, e abundante, e gordurenta, e excessiva até. Mas a mortadela, ou melhor, as cascas da mortadela, tinham um sabor que me atiçava a comer sempre, e cada vez mais. Numa tarde fria em que o vinho no fundo da garrafa foi suficiente para embriagar-me, levantei-me e com toda a coragem fui até o galpão e menti ao cocheiro que Arquelau e Beatriz iam mais cedo, ele que preparasse a charrete sem perda de tempo.