Trecho do romance "O Ciúme" de Alain Robbe-Grillet | Na hora do almoço

 Refeição no estilo Nouveau roman

Alain Robbe-Grillet

Mas da mesa, para se ver o salão - ou, por uma janela, o lado dos barracões - seria necessário ocupar o lugar de Franck: as costas voltadas para o aparador.

Esse lugar está vazio, no momento. A cadeira, no entanto, está colocada no ponto certo, o prato e os talheres estão em seus lugares também; mas não há nada entre a beirada da mesa e o espaldar da cadeira, que tem à mostra seu revestimento de palha grossa ordenada em cruz; e o prato está limpo, brilhante, cercado de todas as facas e garfos, como no início da refeição.

A…, que finalmente resolveu mandar servir o almoço sem esperar mais o hóspede, já que ele não chega, sentou-se rígida e muda em seu lugar, diante das janelas. Essa posição contra a luz, cuja falta de comodidade parece evidente, foi escolhida por ela mesma de maneira definitiva. Ela come com uma economia de gestos extrema, sem voltar a cabeça para a esquerda ou a direita, franzindo um pouco as pálpebras como se procurasse descobrir alguma mancha na parede nua à sua frente, onde a pintura imaculada não oferece, porém, a menor distração ao olhar.

Depois de servir os hors-d’oeuvre e abstendo-se de mudar o prato inútil do conviva ausente, o copeiro retorna de novo pela porta aberta da copa, trazendo nas mãos um grande prato fundo. A… nem mesmo se volta para lançar-lhe seu olhar de dona-de-casa. À sua direita, sem nada dizer, o copeiro coloca o prato sobre a toalha branca. Contém um purê amarelado, provavelmente de inhame, do qual se eleva uma leve linha de vapor, que de súbito se curva, espalha-se, evapora sem deixar traço, para reaparecer logo depois, longa, fina e vertical, por sobre a mesa.

No meio desta já está um outro prato intacto, no qual, sobre um fundo de molho marrom-escuro, estão enfileiradas, uma ao lado da outra, três aves assadas, de pequeno formato.

O copeiro retirou-se, silencioso como de costume. A…, de repente, decide deixar a parede nua e examina sucessivamente os dois pratos, à sua direita e à sua frente. Depois de apanhar a colher adequada, ela se serve, com gestos medidos e precisos: a menor das três aves, depois um pouco de purê. Em seguida, toma o prato que está à sua direita e o coloca à esquerda; a colher grande ficou lá dentro.

Ela começa, em seu prato, um meticuloso exercício de cortar. Apesar da pequenez do objeto, como se se tratasse de uma demonstração de anatomia, ela separa os membros, corta o corpo nos pontos de articulação, separa a carne dos ossos com a ponta da faca, segurando os pedaços com o garfo, sem apoiar de uma só vez, sem mesmo ter o ar de quem realiza um trabalho difícil ou pouco habitual. É verdade que essas aves são frequentes no cardápio.

Ao terminar, ela levanta a cabeça e fica imóvel de novo, enquanto o copeiro retira os pratos com os pequenos ossos marrons, depois os dois pratos, dos quais um contém ainda a terceira ave assada, a que era destinada a Franck.

O prato deste permanece em seu estado primitivo até o fim da refeição. Sem dúvida ele ficou retido, como não é raro, por algum incidente ocorrido em sua fazenda, pois não teria perdido este almoço por uma indisposição eventual da mulher ou do filho.

Embora seja pouco provável que o convidado venha agora, talvez A… espere ainda o ruído de um veículo descendo a ladeira depois da estrada principal. Mas pelas janelas da sala de refeições, das quais pelo menos uma está semi-aberta, não chega nenhum ronco de motor, nem qualquer outro barulho, a essa hora do dia em que todo o trabalho se interrompe e em que os animais se calam, com o calor.

La Jalousie (1957)

Tradução de Waltensir Dutra. Rio, Nova Fronteira, 1986

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"La Jalousie" é um romance do escritor francês Alain Robbe-Grillet, publicado em 1957. A história se passa em uma plantação de café na Costa do Marfim e é narrada por um personagem anônimo que suspeita que sua esposa está tendo um caso com seu vizinho. À medida que a narrativa se desenrola, a linha entre realidade e imaginação começa a se confundir e a própria existência do narrador é posta em dúvida.