Comendo em público — Sylvia Plath

Comendo em público

Sylvia Plath

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Sob o abrigo do tilintar das taças, talheres de prata e peças de porcelana, cobri meu prato com fatias de frango. Passei sobre elas uma grossa camada de caviar, como se estivesse passando manteiga de amendoim num pedaço de pão. Então peguei as fatias uma por uma, enrolei para que o caviar não escapasse e comi tudo.

Eu havia descoberto, depois de muita ansiedade de quais talheres usar, que se você fizer algo de errado à mesa com certa arrogância, como se você soubesse perfeitamente que aquele é o jeito certo de fazer as coisas, ninguém vai achar que você é grosseira ou mal-educada. Vão pensar que você é original e muito espirituosa.

Aprendi esse truque no dia em que Jota Cê me levou para almoçar com um poeta famoso. Ele vestia um paletó de tweed marrom horroroso, todo amassado e manchado, calça cinza e uma malha xadrez azul e vermelha aberta no pescoço, isso num restaurante altamente formal, cheio de fontes e candelabros, onde todos os outros homens vestiam ternos pretos e camisas branquíssimas.

O tal poeta comia a salada com as mãos, folha por folha, enquanto me falava sobre a antítese entre arte e natureza. Eu não conseguia tirar os olhos dos dedinhos brancos e pálidos que viajavam do prato de saladas do poeta para a boca do poeta, uma folha de alface úmida após a outra. Ninguém riu dele, nem cochichou nenhum comentário ofensivo. O poeta fez com que comer salada com as mãos parecesse a coisa mais natural e sensata do mundo.

Como nenhum dos editores da nossa revista ou da equipe da Ladies’ Day havia sentado perto de mim, e Betsy tinha um ar doce e gentil — ela nem parecia gostar de caviar —, fui ganhando confiança. Quando terminei meu primeiro prato de frango e caviar, preparei outro. Então ataquei o abacate e a salada de carne de caranguejo.

Abacate é minha fruta preferida. Meu avô costumava me trazer um abacate escondido no fundo de sua bolsa todo domingo, debaixo de seis camisas sujas e da seção de quadrinhos do jornal. Ele me ensinou como comer abacate derretendo geleia de uva e molho francês numa frigideira e preenchendo o oco da fruta com o molho. Eu sentia tanta saudade daquele molho. Perto dele, a carne de caranguejo parecia sem gosto.

— Como foi o desfile de peles? — perguntei a Betsy, quando já tinha relaxado em relação a disputa pelo caviar. Raspei os últimos ovinhos pretos e salgados do fundo do prato com a colher de sopa e lambi.

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A Redoma De Vidro
1963


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Sylvia Plath foi uma poeta e escritora americana nascida em Boston em 1932 e falecida em 1963. Ela é conhecida por sua poesia intensa e emotiva, e por sua prosa autobiográfica que explorou temas como a depressão, a angústia e a mortalidade. Plath é considerada um dos ícones da poesia confessional, um estilo que se caracteriza por uma escrita pessoal e emocionalmente carregada. Seu livro mais conhecido é "A redoma de vidro", publicado originalmente em 1963, poucos meses antes de sua morte. O romance é considerado uma obra semiautobiográfica, que conta a história de Esther Greenwood, uma jovem escritora que vive em Nova York nos anos 50. Esther é uma personagem complexa e introspectiva, que luta com problemas de saúde mental e existencialismo em uma época em que as mulheres tinham poucas opções fora do casamento e da maternidade. "A redoma de vidro" é um retrato poderoso da alienação e da angústia que podem acompanhar a vida moderna, especialmente para as mulheres. O título da obra refere-se a uma metáfora que Esther usa para descrever sua sensação de estar presa em uma redoma de vidro, incapaz de se conectar com o mundo exterior ou de encontrar um propósito significativo em sua vida. O livro de Sylvia Plath é considerado um marco da literatura feminista e tem sido amplamente estudado e analisado em todo o mundo. A obra é um testemunho da habilidade de Plath em retratar a angústia e a solidão do ser humano, e seu impacto duradouro sobre a literatura americana e mundial.