Como ser magro em Portugal - Crônica de Ruth Manus

Como ser magro em Portugal
Ruth Manus
______________________________

Ao acordar, fuja do pão. Porque sempre haverá pão na sua casa, mesmo que você não compre. A sua sogra levará pão, uma visita levará pão, o pão misteriosamente surgirá pela janela da sua casa. É algo misterioso que acontece neste país. Pão de Mafra, pão de centeio, pão de forma, pão saloio, broa, baguete. Em Portugal, eles simplesmente aparecem. Fuja deles. Esconda, congele, dê para a vizinha, enfie o pão inteiro na lancheira do seu filho. Apenas fuja.

Quando sair de casa, evite rotas que passem na frente de pastelarias. Passe na frente de bancos, salões de beleza, lojas de souvenir, mas nunca perto das pastelarias. É um verdadeiro perigo. E nunca caia na cilada do cafezinho. Se você entrar para tomar «só um cafezinho», vai acabar pedindo uma torrada. Uma tosta mista. Uma sandes de queijo. Talvez também se renda a um pastel de nata, e o seu dia já começará com um alerta vermelho.

No trabalho, sempre haverá um colega que vai chegar com um croissant ou com um pacote de bolachas. São pessoas muito traiçoeiras, que chegam com barulhinhos de pacote e cheiro bom de comida. Concentre­-se nos seus prazos. Lembre­-se das calças apertadas. Não aceite nenhuma das suas ofertas. Tome um chá sem açúcar e firme o pensamento em Jesus, para se livrar das tentações.

Chegando no almoço, a desgraça começa a se agravar. Prato do dia: bacalhau com natas. Prato do dia: polvo à lagareiro. Prato do dia: filetes com arroz de tomate. Prato do dia: estrogonofe com batatas fritas. Prato do dia: alheira com ovo estrelado. Muito sabor, muita alegria, muito azeite, muita gordura, muitos carboidratos, muito sal. Respire fundo. Pergunte se há um peixe grelhado. Peça apenas com salada ou legumes. Sem batata, sem batata, sem batata! Repita comigo: sem batata. Embora todos nós queiramos batata, muita babata, três quilos de batata.

E para beber? Mil ao seu lado beberão vinho, outros mil beberão cerveja. Mas, tu, tu beberás uma aguinha das pedras. Ontem já houve vinho no jantar, certo? Vamos fugir dele no almoço. Mas na sua mesa todos estão tomando vinho. Uma tacinha fará assim tanto mal? Talvez não. Talvez sim. Tentar fugir do vinho é uma tarefa tão árdua quanto fugir do pão. Ele nos persegue, ele nos coloca contra a parede, ele quer nos sabotar.

Sobremesa? Bolo de bolacha, mousse de chocolate, leite­-creme, mousse de manga, baba de camelo. Não, não, não, não. Só um cafezinho, por favor. Sem açúcar. Há também o doce da casa. Nãaaaao, por favor parem, por favor me ajudem, parem com isso, é só um café! Um café e a conta! Saia do restaurante o quanto antes. Volte para o escritório, escove bem os dentes, passe fio dental e, se for o caso, coloque um pedaço de fita crepe sobre a boca.

No fim da tarde, a fome atacará com violência, sobretudo se você tiver mesmo almoçado só o peixinho. Tenha sempre um iogurte magro, umas bolachas de milho, uma frutinha. Provavelmente, você comerá tudo ao mesmo tempo, enquanto sonha com as batatas fritas que acompanhavam o estrogonofe do almoço. Vai ser difícil.

Na volta para casa, evite rotas que passem por restaurantes japoneses, restaurantes italianos, restaurantes chineses, hamburguerias, pizzarias, marisqueiras, churrasqueiras, frangasqueiras, garrafeiras. Talvez seja melhor ir de helicóptero. Entre em casa rapidamente e garanta que sempre haja uma sopa esperando por você. Sem batata, pelo amor de Deus! É muito cansativo fugir da nossa querida batata. Faça uns bifinhos de peru, sem óleo. Chore de tristeza. Tranque as garrafas de álcool dentro do banheiro. Coloque fechaduras nos armários que têm doces. Esconda o telefone da Telepizza. E pronto. Vista o pijama e sorria, porque é mesmo fácil ser magro em Portugal. Durma bem e sonhe com bolas de Berlim.

_______________________________

Modéstia à parte: coisas que o mundo inteiro deveria aprender com Portugal
2018
____________________________________

Ruth Manus é uma advogada, escritora e colunista brasileira nascida em São Paulo, em 1987. Ela se destaca por suas colunas em jornais e revistas, nas quais escreve sobre temas como direito, feminismo, cultura e comportamento.