Esperando o marido para jantar - Crônica de Alberto Villas

Esperando o marido para jantar
Alberto Villas

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Os maridos eram exigentes, orgulhavam-se da Amélia que tinham em casa e costumavam dizer isso – e às vezes cobrar – na hora do jantar.

O almoço era mais simples, o trivial. Uma salada de tomate, um arroz fresco, feijão, uma verdura, bife. Às vezes acebolado, às vezes à milanesa. O jantar era mais complicado.

Por volta de quatro horas da tarde ele começava a ser preparado. O livro de receitas em cima da mesa, ela ia seguindo passo a passo como se fazia um rocambole de carne, um tomate recheado, um charutinho de folha de uva, um nhoque.

– Não tenho farinha!

Quando isso acontecia, ela mudava a receita, procurando sempre uma que não pedia noz-moscada ou gotinhas de baunilha porque noz-moscada ou gotinhas de baunilha nem mesmo Amélia costumava ter.

Por volta de seis horas o jantar estava praticamente pronto. Então ela colocava a mesa, uma mesa muito bem-posta. Toalha, pratos, copos, talheres, guardanapos de pano, temperos para salada, o vidro d’água, a pimenta malagueta. Cada coisa no devido lugar.

Tudo checado, a mulher tomava um banho, vestia um vestido de florzinha, colocava duas gotas de perfume no pescoço e ficava esperando o marido chegar. Uma hora todo dia. Ela olhava no relógio uma, duas, três vezes antes de ouvir o ronco do motor do carro entrando na garagem. Quando escutava esse barulho, corria para a cozinha para os retoques finais.

O marido chegava, abria a porta, um beijinho e a pergunta:

– O que temos para o jantar?

Entregava a ela uma bisnaga que vinha embrulhada num papel cinza, lavava as mãos e sentava-se sempre à cabeceira da mesa.

Os pratos iam sendo colocados na mesa um a um. Quando a mulher se sentava, ciente do dever cumprido, ele dizia:

– Me passa a salada, por favor!

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Onde Foi Parar Nosso Tempo?
Crônicas
2010

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Alberto Villas é um jornalista, escritor e cronista brasileiro nascido em 1958 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ele é conhecido por seus textos bem-humorados e pela capacidade de observar e retratar a vida cotidiana com sensibilidade e ironia. Villas começou a carreira como jornalista em 1981, trabalhando em diversos veículos de comunicação como repórter e editor. No entanto, foi como cronista que ele se destacou, publicando seus textos em colunas de jornais e revistas como a Folha de S.Paulo, o Estado de S. Paulo e a Revista Piauí. Seus textos são caracterizados pelo tom leve e divertido, mas que também refletem sobre questões mais profundas da vida contemporânea, como a solidão, a violência, a política e a cultura. Ele também é conhecido por sua habilidade em retratar as particularidades culturais e sociais de Minas Gerais, sua terra natal, em seus textos. Entre as obras de Villas, destacam-se "Onde Está meu Samba?" (2003), uma coletânea de crônicas que retratam a vida no Rio de Janeiro, e "A Vida Começa aos 40..." (2008), um livro que aborda as transformações na vida de homens e mulheres ao chegar aos 40 anos de idade. Além de sua carreira literária, Alberto Villas também se dedicou ao jornalismo cultural, trabalhando como crítico de cinema e literatura em diversas publicações. Ele também é conhecido por seu trabalho na televisão, tendo sido apresentador do programa "Café com Letras", exibido pelo canal TV Brasil. Em resumo, Alberto Villas é um cronista e escritor brasileiro que se destaca pela habilidade em observar e retratar a vida cotidiana com humor e sensibilidade. Suas crônicas refletem sobre questões profundas da sociedade contemporânea, mas sempre com um tom leve e divertido, que cativa seus leitores.