A um palmo acima dos joelhos (conto)João Antônio________________________________
O que nos chegava. E vinham pela música as novas de outras terras, baianas, nordestinas, cariocas, nos fazendo imaginar, enfeitiçados, meio aos suspiros, mordidos de curiosidade, uma porção de vidas diferentes, nossas desconhecidas e mais rurais. Havia baianos e cariocas no morro e, na empolgação deles, embarcávamos, mordidos.
Não éramos tão urbanos. Para final, fazíamos paçoca no pilão, nossos curaus e pamonhas doces e não salgados como se diziam que eram os do Norte... a paçoca do morro, veja lá, levava carne pilada, o charque, o jabá. Essa, de carne-seca, era daqui. Da ponta da orelha.
Batíamos o café em grão comprado nos armazéns na estrada de ferro. Tínhamos o cuscuz paulista, com palmito, ovo, camarão ou sardinha ou galinha, meio caiçara e admirado, falado. Invejado, sabíamos. Salgado, era primor, distinto do baiano, que é branco e doce. E do pernambucano — outra coisa. Bom mais ainda com manteiga, da salgada. Havendo manteiga de garrafa, se lambiam os beiços e se comia até ficar triste. Fazíamos a carne-seca com mandioca cozida quase desmanchando, e não frita.
E não fique aí boba, pequena. Que tínhamos forno em que fazíamos pão de milho, broa de fubá, biscoito de araruta, bolos de farinha de trigo, assados em dia de festa. Havia cabritadas no morro e Vó Lula, prevenida, alma de quituteira, pedia aos santos nas vésperas paz para esses dias. Cabritada era risco.
Poder, podia escorregar, destrambelhar para malsucedida armando brigas, ingresias, desfeitas, mexidas, confusões. Fuá. Podia dar bode num forrobodó-de-cuia, rebordosa arrevesada, uma cabritada. Então, devagar com o andar, que o santo é de barro. O seguro morreu de velho, mas a prudência foi ao enterro. Rogar aos santos, assim, era de lei.
Doce de marmelo, de goiaba, de laranja, de abóbora, de cidra, de limão, de coco, bananadas, ameixadas de ameixa amarela e não da preta fumegavam no fogão a lenha e Vó Lula, pontificou plena, principal. Esclarecia. Para a cozinha era preciso mão. Ninguém se gabasse diante dela, que mãos cutubas tinha ela, mãos de rainha, dona, adonada, sabedora.