A Cozinha Das EscritorasStefania Aphel Barzini2017________________________
Prefácio
A cozinha, a verdadeira cozinha, dizia Colette, é feita por quem experimenta, saboreia, sonha um instante, adiciona um fio de azeite, uma pitada de sal, uma folha de tomilho; por quem pesa sem balança, controla o tempo sem relógio, vigia o assado apenas com os olhos da alma e mistura os ovos, a manteiga e a farinha conforme a inspiração, como uma bruxa do bem. Em outras palavras, a cozinha é feita pelas mulheres. Pelo menos, certo tipo de cozinha. Talvez não a cozinha gourmet ou a dos críticos gastronômicos, nem a cozinha dos fanáticos por comida, que atualmente formam uma verdadeira legião. Eu gostaria de narrar uma relação diferente com a comida, com o ato de cozinhar. Um relacionamento tipicamente feminino, que não é menos válido que o masculino. É apenas diferente. Porque a mulher, responsável por excelência pela nutrição, sabe que por meio da comida transmite-se muito mais, não somente sabores e sensações, mas também histórias, emoções, medos, dores e sentimentos. E sabedoria. Por meio da comida, enfim, transmite-se a vida. Por isso, desejo contar uma história, ou melhor, muitas histórias voltadas ao universo feminino. Por isso, gostaria de começar pela cozinha. Mais específicamente pelos fogões. Por fogões especiais. Os fogões das escritoras. Porque são realmente muitas as que escreveram sobre comida, talvez para falar de outra coisa, para narrar outra história. E são muitas as escritoras que, com a comida, com a cozinha, tiveram uma relação importante, pessoal, íntima. Uma relação que depois, por osmose, escorregou para as próprias páginas que elas escreveram. Desejo narrá-las: as que tanto amaram a comida e pela comida também foram profundamente amadas. E também as outras, as que tiveram uma relação ambígua, tortuosa e, no entanto, importante com a comida e a cozinha.
A casa ocupa um lugar essencial na vida de quem escreve, seja homem ou mulher, porque organiza as lembranças, aplaca a angústia, inspira a mente. É dela que muitas vezes a imaginação alça voo a horizontes longínquos. Para a mulher, qualquer mulher, a casa também costuma ser um ninho seguro. Mas, se há um lugar da casa capaz de domar nossos anseios (embora passível também de tolher sonhos e ambições, para quem não ama estar à frente do fogão), esse lugar é, certamente, a cozinha. E as escritoras não são exceção. Justamente da consciência do papel da comida e da cozinha no universo das autoras é que nasce o meu desejo de identificar as características que revelam o vínculo delas com essa parte da casa. Fui pesquisar então as cozinhas em que o passado ainda está vivo, em que os objetos cotidianos, o ambiente, as lembranças estão conservados ao longo dos anos. Porque em cada casa em que se viveu e em cada cozinha em que se trabalhou ficaram rastros, perfumes, recordações, sabores e histórias que perduram no tempo, vivos e presentes como antes. Dessa forma, partindo do “fogão das autoras”, tanto dos que ainda podemos visitar, como os de Grazia Deledda e Agatha Christie, como dos que só existem em fotografias, como os de Gertude Stein e Karen Blixen - e ainda daqueles que possivelmente foram narrados pelas próprias escritoras, como os de Virgínia Woolf, Colette e Simone de Beauvoir -, gostaria de contar a relação de algumas escritoras famosas com a comida, com o ato de comer e de cozinhar. Meu desejo é que seja uma narrativa, porque a cozinha é feita, sobretudo, de histórias. Assim, narrarei as minhas mulheres por meio dos seus gostos e desgostos pessoais, tanto na vida quanto na literatura. Tentarei, de fato, traçar uma pequena “biografia gastronômica” de cada uma delas: entender, interpretar, analisar a sua vida por meio do ato de comer e da comida. E, junto às histórias, às anedotas, às curiosidades, não poderíam faltar as receitas preferidas, seja na vida, seja na literatura. Uma viagem, sobretudo, ao espírito da cozinha das escritoras.