Café da manhã em Paul Auster - Leviatã, 1992

Café solúvel descafeinado
Paul Auster
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O café da manhã teve um início um pouco vacilante. O leite da geladeira estava azedo (o que eliminava a possibilidade de cereais) e, como o estoque de ovos também parecia esgotado, ele não tinha condições de preparar torrada com ovos mexidos ou uma omelete (segunda e terceira opções da menina). Sachs, porém, conseguiu encontrar um pacote de pão integral fatiado, e depois de pôr de lado as quatro primeiras fatias (cobertas por um mofo felpudo e azulado), optaram por uma refeição constituída de torradas e geleia de morango. Enquanto o pão esquentava na torradeira, Sachs desencavou do fundo do congelador uma lata de suco de laranja congelado toda coberta de neve, misturou-o em um jarro de plástico (que, antes, teve de ser lavado) e o serviu acompanhando o pão. Não havia nem sombra de café propriamente dito, mas, depois de uma busca minuciosa nos armários, ele acabou descobrindo um vidro de café solúvel descafeinado. Enquanto bebia a poção amarga, Sachs fazia caretas gaiatas e agarrava a garganta com as mãos. Maria riu da encenação, o que o animou a cambalear pela cozinha e emitir uma série de agoniantes sons sufocados.

— Veneno — sussurrou, e desceu o corpo lentamente para o chão. — Os bandidos me envenenaram.

Aquilo a fez rir mais ainda, porém quando a brincadeira acabou e Sachs sentou-se de novo na cadeira, a alegria da menina se dissipou bem depressa e ele percebeu uma expressão preocupada nos olhos dela.

— Eu estava só fingindo — disse.

— Eu sei — respondeu Maria. — É que não gosto que as pessoas morram. 

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Leviatã
1992