A cozinha francesa é de dar dó - Muriel Barbery

zabaione

A Elegância do Ouriço
Muriel Barbery
2006
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Pierre Arthens, sem dúvida, era um mau de veras. Dizem que era o papa da crítica de gastronomia e o peão mundial da cozinha francesa. Então, isso não me espanta. Se querem minha opinião, a cozinha francesa é de dar dó. Tanto gênio, meios, recursos para um resultado pesado... E molhos e recheios e doces de fazer a barriga explodir!

É de um mau gosto... E, quando não é pesado, é cheio de nove-horas: morre-se de fome com três rabanetes estilizados e duas coquilles Saint-Jacques en gelée de algas, dentro de pratos falsamente zens com garçons que têm um jeito tão alegre quanto coveiros. No sábado fomos a um restaurante assim, muito chique, o Napoléon's Bar. Era um programa familiar, para festejar o aniversário de Colombe. Que escolheu os pratos com a mesma graça costumeira: uns trecos pretensiosos com umas castanhas, um cordeiro com ervas de nome impronunciável, um zabaione ao Grand Marnier (o cúmulo do horror). O zabaione é o emblema da cozinha francesa: um troço que pretende ser leve e sufoca o primeiro cristo que aparece. Não comi nada de entrada (poupo-os das observações de Colombe sobre minha anorexia de menina chata) e depois comi sessenta e três euros de filés de vermelho ao curry (com cubos crocantes de abobrinhas e cenouras debaixo do peixe) e depois, por trinta e quatro euros, o que encontrei de menos ruim no cardápio: um fondant de chocolate amargo. Vou lhes dizer: por esse preço eu preferiria uma assinatura anual no McDonald's. Pelo menos é sem pretensão no mau gosto. E nem falo da decoração do restaurante e da mesa. Quando os franceses querem se diferenciar da tradição "Império" das tapeçarias bordô e dourados à vontade, caem no estilo hospital. A gente senta em cadeiras Le Corbusier ("de Corbu", diz mamãe), come em louça branca de formas geométricas muito burocracia soviética e enxuga as mãos no toalete com toalhas tão finas que não absorvem nada.

A simplicidade não é isso. "Mas o que você gostaria de ter comido?", me perguntou Colombe com cara de desespero porque não consegui acabar o primeiro vermelho.

Não respondi. Porque não sei. Afinal, sou uma menina. Mas, nos mangás, os personagens parecem comer outras coisas. Tudo de um jeito simples, requintado, comedido, delicioso. Come-se como quem olha um belo quadro ou como quem canta num belo coral. Não é demais nem de menos: comedido, no bom sentido da palavra. Talvez eu me engane redondamente, mas a cozinha francesa parece velha e pretensiosa, ao passo que a cozinha japonesa parece... pois é, nem jovem nem velha. Eterna e divina.

Em suma, o Sr. Arthens está morrendo. Pergunto-me o que ele fazia, de manhã, para entrar no seu papel de mau de verdade. Talvez um café forte, lendo a concorrência, ou então um café da manhã americano com salsichas e batatas fritas. O que fazemos de manhã? Papai lê jornal bebendo café, mamãe bebe café folheando catálogos de moda, Colombe bebe café ouvindo a France Inter, e eu bebo chocolate lendo os mangás. Atualmente, leio os mangás de Taniguchi, um gênio que me ensina muitas coisas sobre os homens.

Mas ontem perguntei a mamãe se eu podia tomar chá. Vovó toma chá preto no café da manhã, chá de bergamota perfumado. Não chego a achar que é uma coisa genial, mas parece mais simpático que o café, que é uma bebida de gente má. Mas no restaurante, ontem à noite, mamãe pediu um chá de jasmim e me deu para provar. Achei tão bom, tão "eu" que, hoje de manhã, disse que era o que, de agora em diante, queria no café da manhã Mamãe olhou para mim de um jeito estranho (seu ar "calma evacuado"), depois disse sim, sim, meu amor, agora tem idade para isso.

Chá e mangá contra café e jornal: a elegância e encantamento contra a triste agressividade dos jogos de adultos.

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A receita de Muriel Barbery pode parecer esquisita: reunir, num prédio sisudo de um bairro elegante de Paris, uma zeladora de meia-idade, culta e desconfiada, uma adolescente calada e pensativa, um senhor japonês misterioso e sorridente; acrescentar um cocker lúbrico, um crítico de gastronomia à beira da morte e uma faxineira portuguesa que nasceu para rainha. Mas o resultado é o mais delicioso dos romances filosóficos. Repleto de humor e birra, de crise adolescente e melancolia madura.

MURIEL BARBERY nasceu em Bayeux, em 1969. Ex-aluna da École Normale Supérieure, em Paris, atualmente leciona filosofia na Normandia, onde mora. Estreou na literatura com o romance Un e gourmande (2000), traduzido em doze línguas. Seu segundo livro, A elegância do Ouriço, foi uma das grandes sensações literárias de 2006 na França.