História de comilança em tempos de guerra - Jaroslav Hasek

As Aventuras Do Bom Soldado Svejk
Jaroslav Hasek
1923
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— Eu não fui feito para a guerra — queixava-se Baloun. — É verdade que sou um comilão, um insaciável, mas é porque me arrancaram da vida normal. Nossa família é assim. Meu falecido pai apostou em uma pensão de Protivín que comeria de uma sentada cinquenta salsichas e dois pães grandes, e ganhou. Uma vez, em uma aposta, devorei quatro gansos e duas bacias cheias de knedlík e repolho. Em casa, às vezes quero fazer uma boquinha depois da refeição: vou à despensa, corto um pedaço de carne e mando trazer uma jarra de cerveja; e assim como dois quilos de carne defumada. Em casa, havia um velho criado, Vomel, que sempre me aconselhava a não comer tanto, que não me fartasse como um comilão. Dizia que seu avô lhe falara de uma guerra na qual durante oito anos não cresceu nada e tinham que fazer pão com palha e com restos de linhaça. E quando se podia esmigalhar um pouco de ricota no leite, em lugar do pão, que não havia, era dia de festa. Havia um camponês tão comilão como eu, e quando começou aquela penúria não conseguiu suportar e morreu ao cabo de uma semana porque seu estômago não estava habituado à miséria...

Baloun levantou o rosto, pesaroso.

— Mas eu acredito que mesmo quando Deus castiga as pessoas, não as abandona.

— Deus colocou os comilões no mundo e Deus se encarrega deles — observou Švejk. — Já o amarraram uma vez e agora você está querendo que o mandem para a primeira linha. Quando eu era ordenança do meu tenente, ele podia confiar plenamente em mim e nunca teria passado por sua cabeça que eu fosse comer alguma coisa. Quando havia uma comida especial, sempre me dizia: “Fique com isto, Švejk”, ou “Homem, a mim isto não convence; me dê um pedacinho e faça o que quiser com o resto”. E, quando estávamos em Praga, algumas vezes me mandava buscar comida em um restaurante; se a porção não era farta, para que não achasse que estava lhe levando uma pequena e havia comido a metade no caminho, comprava outra com meu próprio dinheiro para que meu tenente comesse bem e não pensasse nada de ruim a meu respeito. Até que um dia descobriu. Sempre tinha que lhe levar o cardápio do restaurante e ele escolhia. Um dia escolheu um pombo recheado. Levei-lhe um prato tão magnífico que até o compartilhou com o tenente Šeba, que estava procurando um lugar onde pudesse comer de graça e havia aparecido na casa do meu tenente um pouco antes da hora do almoço. Mas depois de ter comido tudo disse: “Não me diga que esta é uma única porção. Em nenhum lugar do mundo conseguirá encontrar um pombo inteiro no cardápio. Se hoje conseguir algum dinheiro, farei com que me enviem este prato desse seu restaurante. Diga logo que são duas porções.” O senhor tenente me pediu que confirmasse que só havia me dado dinheiro para uma porção simples, porque não sabia que teria uma visita. “Você está vendo”, disse meu tenente, “mas isto não é nada. Outro dia Švejk me trouxe duas coxas de ganso. Imagine: sopa de cabelo-de-anjo, vitela com molho de anchovas, duas coxas de ganso, massa e repolho até o teto e crepes doces de sobremesa!”.

— Mmmmmm! Caramba! — disse Baloun com inveja, estalando a língua.

Švejk continuou:

— Mas foi esse o problema. No dia seguinte, o tenente Šeba mandou seu ordenança buscar comida em nosso restaurante e ele lhe levou uma porção de frango com arroz tão pequena que parecia o cocô de um bebê de seis semanas, em outras palavras, duas colheradas. O tenente Šeba começou a gritar e acusou o ordenança de ter comido a metade. E o rapaz insistia que não, que era inocente. O tenente Šeba lhe deu um soco na boca e me usou como exemplo: dizia que eu levava porções fantásticas ao tenente Lukáš. Assim, no dia seguinte, quando foi buscar a comida, o soldado que havia apanhado informou-se naquele restaurante; contou tudo ao dono e este contou tudo ao meu tenente. À noite, quando eu estava sentado tranquilamente lendo no jornal os comunicados dos altos-comandos inimigos sobre a situação no campo de batalha, eis que se apresenta meu tenente, todo pálido, e me pede diretamente que lhe diga quantas porções duplas eu pagara do meu bolso no restaurante, que havia descoberto tudo, que não valia a pena negar, que já fazia tempo que sabia que eu era um imbecil, mas que nunca passara por sua cabeça que também tivesse enlouquecido. Insistia que eu havia causado tal escândalo que tinha vontade de me matar com um tiro, primeiro a mim e depois a si mesmo. “Senhor tenente”, eu lhe disse, “no primeiro dia que me levou para servi-lo, me disse que todos os ordenanças eram ladrões e esbanjadores. E como, no restaurante, servem porções mínimas, fiquei com medo de que o senhor achasse que eu também era um desses irresponsáveis e comia sua comida...”.

“Depois o tenente Lukáš começou a revistar seus bolsos”, continuou Švejk, “mas nada de nada. E então tirou do paletó um relógio de prata e me entregou. Estava comovido. ‘Quando recebermos o soldo, Švejk’, disse, ‘escreva quanto lhe devo... Este relógio é um presente. E na próxima vez não faça besteiras.’ Depois passamos tanta miséria que tive de levar o relógio à casa de penhora.”

— O que você está fazendo aí atrás, Baloun? — perguntou de repente o intendente Vanĕk.

Em vez de responder, o pobre Baloun se engasgou e tossiu. Havia aberto a mala do tenente Lukáš e devorava o último pãozinho...

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"As Aventuras do Bom Soldado Švejk" é um romance satírico escrito pelo autor tcheco Jaroslav Hašek. A obra foi publicada postumamente em 1923, após a morte prematura do autor em 1923. A história é ambientada durante a Primeira Guerra Mundial e é conhecida por sua sátira política e humor peculiar.

O protagonista da obra é Josef Švejk, um soldado tcheco que participa do conflito. Švejk é retratado como um personagem aparentemente ingênuo e simplório, mas sua astúcia e maneira de lidar com as situações absurdas ao seu redor o tornam um personagem cativante. Sua abordagem única e aparentemente despretensiosa para a guerra e a burocracia militar cria um contraste humorístico com o cenário sombrio da guerra.

Jaroslav Hašek, o autor da obra, foi um escritor e ativista político tcheco. Sua vida foi marcada por eventos turbulentos, incluindo seu envolvimento em movimentos políticos e seu tempo como soldado durante a Primeira Guerra Mundial. Sua experiência militar, bem como suas observações da sociedade e da política da época, influenciaram fortemente a criação de "As Aventuras do Bom Soldado Švejk".