Uma garrafa de vinho é uma boa companhia - Ernest Hemingway

O Sol Também se Levanta
Ernest Hemingway
1926
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Numa banca de jornais comprei o New York Herald e sentei-me num café para lê-lo. Achava estranho encontrar-me novamente na França. Era um sentimento de segurança suburbana. Lamentava não ter acompanhado Bill a Paris, mas Paris seria a continuação da fiesta, e no momento eu estava farto de fiestas. San Sebastian devia estar calmo. A temporada só abriria em agosto. Eu poderia encontrar um bom quarto de hotel, poderia ler, tomar banho de mar. A praia era bela, com árvores magníficas no passeio, acima, e enviavam-se para lá muitas crianças com suas amas, antes de iniciar-se a temporada. À noite, haveria concertos sob as árvores em frente ao Café Marinas. Eu poderia sentar-me no Marinas para ouvir música.

— Que tal a comida aqui? — perguntei ao garçom.

No interior, o café era um restaurante.

— Muito boa. Come-se muito bem.

— Ótimo.

Entrei para jantar. Para a França, era uma grande refeição, mas após a Espanha a comida parecia distribuída com parcimônia. Pedi uma garrafa de vinho. Seria uma boa companhia. Um Château-Margaux. Era agradável beber lentamente, saborear o vinho, beber sozinho. Uma garrafa de vinho é uma boa companhia. Depois tomei um café. O garçom recomendou-me um licor basco chamado Izarra. Trouxe a garrafa e encheu um cálice. Disse que o Izarra era feito com flores dos Pireneus, as verdadeiras flores dos Pireneus. Mas parecia loção para os cabelos e o odor lembrava o Strega italiano. Disse-lhe que levasse as flores dos Pireneus e me trouxesse um vieux marc. Era muito bom e tomei outro depois do café.

O garçom pareceu um pouco ofendido com a história das flores dos Pireneus e, assim, dei-lhe uma boa gorjeta. Ele ficou contente e eu me senti à vontade, num país onde é tão fácil contentar as pessoas. A gente nunca sabe se um garçom espanhol agradecerá. Tudo, na França, repousa sobre bases financeiras tão nítidas! Não existe outro país onde seja tão fácil viver. Ninguém complica as coisas; faz-se logo amizade, por motivos obscuros. Gastei um pouco de dinheiro e o garçom gostou de mim. Apreciou as minhas qualidades financeiras. Gostaria de tornar a ver-me. Eu jantaria ali novamente, ele ficaria contente e me chamaria para sentar a uma de suas mesas. Seria uma afeição sincera, porque repousava sobre bases sólidas. Eu estava de volta à França.

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"O Sol Também se Levanta" é um romance de Ernest Hemingway que retrata a vida boêmia de um grupo de expatriados americanos e britânicos em Paris e Espanha após a Primeira Guerra Mundial. A narrativa explora temas como a busca por significado em meio à desilusão, o impacto do conflito nas relações humanas e a perda de valores tradicionais. O livro é conhecido por seu estilo conciso e direto, característico do autor, e por capturar a atmosfera tumultuada da época.