Sala n. 60, Tribunal do Trabalho, cafeteria; uma sala bem pequena com balcão e uma máquina de café expresso; num cartaz, lê-se: “Almoço: sopa engrossada com arroz, bife rolê [muito rolê] 1 marco”. Um senhor jovem, gordo, de óculos de aro de tartaruga, sentado numa cadeira, consome o almoço. Quem o observa verifica: tem diante de si um prato fumegante de bife rolê, molho e batatas e está prestes a engolir tudo aos bocados. Seus olhos caminham de um lado para outro sobre o prato, no entanto, ninguém vai lhe roubar nada, ninguém está sentado nas proximidades, está totalmente só à mesa, mas preocupado, corta, amassa sua porção e empurra-a na boca, rápido, uma garfada, mais uma, mais uma, mais uma e, enquanto trabalha, para dentro, para fora, para dentro, para fora, enquanto corta, amassa e devora, fareja, saboreia e engole, seus olhos observam, seus olhos examinam a sobra sempre menor no prato, vigiando-o por todos os lados como dois cães raivosos e avaliando seu tamanho. Mais uma vez para dentro, uma para fora. Pronto, agora terminou, agora se levanta, molenga e gordo, o sujeito limpou o prato, agora já pode pagar. Põe a mão no bolso superior e estala a língua: “Senhorita, quanto é?”. Então o sujeito gordo sai, resfolega, afrouxa o cós da calça para dar mais lugar à barriga. Carrega no estômago um bom quilo e meio só de comida. Agora começa a função em sua barriga, o trabalho, agora a barriga tem o que fazer com tudo que o sujeito mandou para dentro. Os intestinos se mexem e se remexem, giram e rolam como minhocas, as glândulas fazem o que podem, expelem seu suco naquela coisa, esguicham como os bombeiros, de cima escorre a saliva, o sujeito engole, o líquido flui para os intestinos, ocorre a investida sobre os rins, como na Semana Branca das lojas de departamentos, e, lentamente, de mansinho, olhe só, já caem gotinhas na bexiga, uma gotinha atrás da outra. Espere, meu rapaz, espere, logo você vai percorrer o mesmo caminho de volta até a porta onde se lê: cavalheiros. É assim que caminha o mundo.
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"Berlin Alexanderplatz" é uma obra-prima da literatura alemã escrita por Alfred Döblin. Publicado pela primeira vez em 1929, o romance é ambientado na agitada cidade de Berlim durante a República de Weimar, um período de intensa transformação social e política na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. A obra é conhecida por sua estrutura inovadora e estilo literário único. Döblin utiliza uma técnica chamada "montagem", inspirada no cinema expressionista alemão, para criar um mosaico de vozes, perspectivas e fragmentos narrativos. Essa técnica reflete a complexidade e a cacofonia da vida urbana em Berlim. Realizado como serie de TV por Rainer Werner Fassbinder.
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Título original: Berlin Alexanderplatz
Tradução: Irene Aron
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