Feijão à Nova Inglaterra - Jack Kerouac


Os Vagabundos Iluminados
Jack Kerouac
1958
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Eu não quis tirar nada do lugar na casa enquanto ele não voltasse do trabalho, de modo que saí e me deitei ao sol sobre o capim verde alto e fiquei esperando a tarde inteira, sonhando. Mas então me dei conta: "Acho que é melhor eu preparar um belo jantar para Japhy", e desci a montanha de novo e desci a estrada até o mercado e comprei feijão, carne de porco salgada, vários legumes e voltei e acendi o fogão a lenha e fervi uma boa panela de feijão à Nova Inglaterra, com melaço e cebola. Fiquei impressionado pela maneira como Japhy guardava a comida: tudo em uma prateleira só, perto do fogão a lenha: duas cebolas, uma laranja, um saco de gérmen de trigo, latas de curry em pó, arroz, pedaços misteriosos de alga chinesa seca, um frasco de molho de soja (para preparar seus pratos chineses misteriosos). O sal e a pimenta estavam bem acondicionados em pequenos invólucros de plástico presos com elástico. Não havia nada no mundo que Japhy fosse capaz de desperdiçar, ou perder. E então eu chegava e enfiava na cozinha dele todo aquele substancioso feijão com carne de porco, talvez ele não fosse gostar. Ele também tinha um bom pedaço do maravilhoso pão integral da Christine, e a faca de pão dele não passava de uma adaga espetada na tábua.

Ficou escuro e eu esperei no quintal, enquanto a panela de feijão esquentava no fogo. Rachei um pouco de lenha e coloquei na pilha atrás do fogão. A neblina começou a se aproximar, vinda do Pacífico, as árvores se inclinavam profundamente e bramiam. Do topo da montanha, não dava para ver nada além de árvores, árvores, um mar revolto de árvores. Era o paraíso.

Como ficou frio, entrei e avivei o fogo, cantando, e fechei as janelas. As janelas eram simples pedaços de plástico opaco colocados cuidadosamente em molduras de madeira por Whitey Jones, o irmão de Chlistine, que deixavam a luz entrar mas não dava para ver nada lá fora e cortavam o vento frio. Logo estava quente na cabana aconchegante. Ouvi então um "Hu" lá no meio do mar revolto de árvores enevoadas e era Japhy voltando.

Saí para cumprimentá-lo. Estava atravessando o último pedaço de capim alto, cansado depois daquele dia de trabalho, caminhando pesadamente com as botas, o casaco nas costas. "Bem, Smith, aqui está você."

"Preparei uma bela panela de feijão para você."

"É mesmo?" Ele ficou tremendamente agradecido. "Rapaz, que alívio chegar em casa do trabalho e não precisar preparar uma refeição por conta própria. Estou faminto." Ele atacou direto o feijão com um pedaço de pão e café quente que preparei em uma frigideira sobre o fogão, do jeito que os franceses costumam fazer, misturando o café com uma colher. Tivemos um jantar maravilhoso e então acendemos um cachimbo para cada um e conversamos com o fogo estalando.

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Jack Kerouac nasceu em Lowell, Massachusetts, em 1922; Largou a faculdade no segundo ano, depois de brigar com o técnico de futebol, e juntou-se à Marinha Mercante - dando início às jornadas infindáveis que se estenderiam pela maior parte de sua vida. Em "Os vagabundos iluminados" o protagonista, Ray Smith, é um aspirante a escritor de San Francisco que anseia por algo mais na vida. Esse algo mais será apresentado a ele por Japhy Rider - um jovem zen-budista adepto do montanhismo que vive com um mínimo de dinheiro, alheio à sociedade de consumo norte-americana.

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Título Original: The Dharma Bums

Tradução: Ana Ban