Jantar com Roland Barthes - Laurent Binet


Quem Matou Roland Barthes?
Laurent Binet
2015
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“Venha se sentar, ‘Jacques’! Afinal, você não vai passar todo o almoço em cozinha!”

“Em” cozinha: traído por uma preposição… O jovem de cabelo encaracolado e cabeça de bode acaba de servir a caldeirada e vem se juntar a nós. Encosta na cadeira de Barthes antes de ir sentar ao lado dele. “É uma cautriade: uma mistura de peixes, salmonete, linguado, cavala, com crustáceos e legumes, temperados com um fio de vinagrete, e pus um pouco de curry com uma pitada de estragão. Bom apetite!”

Ah, sim, está gostoso. É chique e ao mesmo tempo popular. Várias vezes Barthes escreveu sobre a comida: o bife com fritas, o sanduíche de presunto e manteiga, o leite e o vinho… Mas ali é outra coisa, evidentemente. É algo que quer ser simples mas é requintado. É preciso sentir que houve esforço, cuidado, amor na preparação. 

E além disso, sempre, demonstração de força. Ele já havia teorizado em seu livro sobre o Japão: a comida ocidental, acumulada, dignificada, inchada até o majestoso, ligada a alguma operação de prestígio, sempre vai em direção do gordo, do grande, do abundante, do copioso; a oriental segue o movimento inverso, desabrocha em direção do infinitesimal: o futuro do pepino não é o amontoado ou o espessamento, mas sua divisão.

“É um prato de pescadores bretões: era cozinhado na praia, com água do mar. O vinagrete servia para conjurar o efeito sedento do sal.”

Lembranças de Tóquio… O palito, para dividir, separa, afasta, bica, em vez de cortar e espetar, como nossos talheres; ele jamais violenta o alimento…

Barthes deixa que o sirvam mais um copo, e enquanto ao redor da mesa os convidados comem num silêncio meio intimidado, observa aquele homenzinho de lábios duros que aspira suas garfadas de peixe com um leve ruído de sucção que uma boa educação burguesa deve ter calculado escrupulosamente para situações semelhantes.

“Declarei que o poder era a propriedade. Não é inteiramente falso, é claro.”

Mitterrand pousa a colher. A plateia, calada, para de comer, a fim de comunicar ao homenzinho que todos se concentram diante de sua palavra.

Se a cozinha japonesa sempre se prepara diante de quem vai comer (marca fundamental dessa cozinha), é porque talvez seja importante consagrar, pelo espetáculo, a morte daquilo que se honra…

Parece que eles têm medo de fazer barulho, como no teatro.

“Mas não é verdade. Vocês sabem melhor que eu, não sabem?”

Nenhum prato japonês é provido de um centro alimentar (que, entre nós, é requerido pelo rito que consiste em ordenar a refeição, em cercar ou cobrir de molho as iguarias); tudo nela é ornamento de outro ornamento: primeiro porque, sobre a mesa, sobre a bandeja, a comida nunca é mais do que uma coleção de fragmentos…

“O verdadeiro poder é a linguagem.”

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Laurent Binet (Paris, 19 de julho de 1972) é um escritor francês e professor universitário. Seu trabalho se concentra na cena política moderna na França. Após vencer o Prêmio Goncourt com seu primeiro romance, HHhH, Laurent Binet volta a transitar pela fronteira entre ficção e realidade numa engenhosa e bem-humorada mescla de thriller histórico e farsa filosófica.
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Título original: La Septième Fonction du langage
Tradução: Rosa Freire D'Aguiar