Pièce de Resistance
Judith Tarr
1986
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Ouviu-se o soar de trombetas e o rufar de tambores. As grandes portas foram abertas. Mestre Jusuf atravessou-as, em um traje branco esvoaçante, com um turbante branco e um largo sorriso. Curvou-se perante o rei, diante dos juizes e da corte reunida e retirou-se para um lado do salão.

Todos os olhares agora estavam voltados para uma longa fileira de escravos que avançava ao rufar dos tambores, cada um deles envergando trajes do antigo Egito, homens e mulheres usando perucas e jóias, os olhos amendoados traçados com Kajal. Em cada par de mãos ou sobre cada uma das altas cabeças vinha uma travessa de bronze, trabalhada com estranhas figuras rígidas, repleta de iguarias do antigo Khemet. Deliciosos aromas espalhavam-se pelo salão. Doces e temperos exóticos, finos pães e bolos ainda mais finos, peixes do Nilo assados em folhas verdes, íbis envoltos em suas brancas plumas, uma gazela com chifres adornados, foram apresentados ao rei. Enquanto os nobres da corte observavam e se extasiavam, e os serviçais moviam-se agilmente entre eles, o ponto alto do cardápio deslizava pela entrada, como se estivesse suspenso no ar, puxado e seguido por escravos núbios: uma grande barcaça feita em ouro e lápis-lazúli, repleta de confeitos, os remos cortando o ar enquanto ela circulava pelo salão. Ouviu-se um suave suspiro sob o rufar dos tambores, um “Ah” de admiração e deleite em surdina.

O Rato odiou o feiticeiro de todo o coração.

Mestre Jusuf, um pouco afastado, sorria e via a corte provar encantada todas as iguarias oferecidas pelos escravos.

— Interessante — murmurou o imperador de Bizâncio.

A um sinal secreto, os escravos afastaram-se dos membros da corte e se retiraram. A barcaça seguiu-os, já vazia, os remos imóveis.

As trombetas anunciaram o segundo conjunto de pratos; charamelas e oboés a elas se reuniram numa ária tão familiar quanto as pedras de Ultramar. Não havia magia ou mistério, apenas pajens e escudeiros da casa real, envergando suas habituais libres, levando a melhor travessa do rei. Sobre ela repousava a obra-prima da arte de mestre Folquet. Cordeiro assado no espeto, ensopado com ervas finas, recheando uma torta com frutas e especiarias. Uma compota de frutas do oriente, cozida em vinho e canela. Pão branco, ázimo, como para a Páscoa dos judeus. E a sutileza, o cordeiro do sacrifício, cada um dos anéis de sua lã trabalhado em marzipã pelas mãos do próprio mestre Folquet, e recheado com doces e patisseries. Estava maravilhoso; um verdadeiro deleite, disse o rei, digno da fama do mestre.

— Está mesmo muito bom — concordou o embaixador do imperador.

Mestre Jusuf sorriu.

Seu novo desafio veio acompanhado pelo lamento das flautas e pelo som das liras, uma procissão de jovens e donzelas gregas em torno da enorme carcaça de um boi, assado inteiro, e coroado de louros como para o sacrifício, colocado sobre uma maciça travessa de prata trabalhada; como acompanhamento, peixes grelhados no carvão e pássaros assados, azeitonas e queijo, pão e farinha de milho, mel aromatizado com tomilho. Mas a peça principal foi merecedora de um suspiro que abafou o som das flautas. Trinta e dois pares de mulas — mulas de latão e aço, de dimensões que não ultrapassavam as dos sabujos que, agachados sob as mesas, para elas uivavam — puxavam um grande fogo dourado, a urna mortuária de Alexandre ao sair da Babilônia. Cada centímetro era trabalhado com açúcares raros e preciosos, contornados por açafrão, que era ainda mais precioso que o ouro.

— Encantador — disse o grego, mordiscando uma borla dourada.

Ainda uma vez mestre Folquet enviou seus jovens francos, vestidos na mesma libre de antes, porém contrapondo à glória da Grécia os esplendores de Roma. Porco assado na massa; galinha temperada com zimbro, atum e outros peixes grelhados com molho de alho e ervas; uma sopa de lentilhas, mostarda e especiarias, para a qual se viu a rainha sorrir e pedir mais. Mas não houve suspiros de exclamação, nem mesmo para a obra-prima, um grande círculo do zodíaco, transportado por jovens escudeiros. Confeccionado em pão quase torrado, cada um dos signos delineado em massa colorida. E para cada signo havia uma profusão de iguarias: bolos, frutas cristalizadas ou flores adornadas com açúcar, compondo a forma da criatura que representava o signo.

O grego, totalmente absorto nos bolos de trigo embebidos com mel de Virgem nada tinha a dizer.

Mas o Rato ouviu murmúrios:

— Está gostoso!

— Está bom! Mas nada espetacular. Eu aprecio um bom espetáculo, aprecio sim.

— De que vale o espetáculo se o gosto é de palha temperada?

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Tradução: Astrid Figueiredo 

(Integra a revista Isaac Asimov Magazine nº 07)

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Judith Tarr é uma renomada autora norte-americana cuja habilidade em criar mundos ricos e personagens cativantes a estabeleceu como uma figura distinta no universo da literatura especulativa. Com uma carreira prolífica que abrange uma variedade de gêneros, desde a fantasia histórica até a ficção científica, Tarr é reconhecida por sua maestria na construção de universos complexos e na exploração profunda das dinâmicas humanas. Seus romances frequentemente mergulham em períodos históricos pouco explorados, dando vida a eras esquecidas com uma narrativa rica e envolvente. A habilidade única de Tarr em entrelaçar elementos históricos e fantásticos oferece aos leitores uma experiência literária imersiva e única, deixando uma marca indelével na tradição da escrita especulativa.