Receita do drink Janelas Verdes' Dream - Antonio Tabucchi


Requiem – uma alucinação
Antonio Tabucchi
2000
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Eu apertei-lhe a mão, disse ele, e preparei-lhe um bom cocktail, porque sei que ele gosta, é um homem excepcional, o nosso presidente, mas é muito guloso, gosta de comer e de beber, e então eu preparei-lhe uma boa bebida, que é precisamente a bebida que estava a aconselhar ao senhor, não quer experimentar, agora que fez a digestão? Talvez, disse eu, do que é que se trata? Olhe, disse ele, não é bem um cocktail e não é bem um long-drink, digamos que é uma coisa que fica entre os dois, é uma bebida de minha invenção, chama-se Janelas Verdes' Dream. O nome é muito bem achado, disse eu, mas quais são os ingredientes? Olhe, meu caro amigo, disse confidencialmente O Barman do Museu de Arte Antiga, normalmente não costumo revelar os ingredientes da minha cozinha, são um segredo profissional, mas o senhor é estrangeiro e vou dizer-lhe, são três quartos de vodka, um quarto de sumo de limão e uma colher de xarope de hortelã-pimenta, põe-se no shaker com três cubos de gelo, agita-se até doer o braço e tira-se o gelo antes de servir, o vodka e o sumo de limão ligam perfeitamente, e o xarope de hortelã-pimenta, além de dar o cheiro, dá cor verde que é necessária por causa do nome, não sei se está a perceber: verde, Janelas Verdes, é fundamental, Ora bem, disse eu, acho que vou mesmo experimentar o "Janelas Verdes' Dream", está mesmo a apetecer-me, Boa escolha, exclamou o Barman do Museu de Arte Antiga, vou dizer-lhe mais: o sumo de limão tira a sede, o álcool dá forças, o que é bem preciso num dia quente como este, e a hortelã-pimenta refresca os intestinos, boa escolha. Levantou-se apressadamente e foi para o balcão. Eu olhei para o relógio e apercebi-me que era tarde, não tinha tempo para ver o meu quadro. O Barman do Museu de Arte Antiga voltou com o meu "janelas Verdes' Dream" e depositou o copo na mesinha com uma expressão triunfal. Eu levei o copo à boca e pensei que mesmo que fosse uma mixórdia não me devia desmanchar, a situação exigia um comportamento viril, mas afinal não era o caso, de maneira que fiz estalar a língua no palato e disse: é mesmo bom.

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"O italiano Antonio Tabucchi faz, em Réquiem (1991), uma declaração de amor a Lisboa, cidade que adotou para viver e onde morreu; e sobretudo ao português, idioma no qual escreve este romance. Num estado entre a realidade e o sonho, seu protagonista deambula pelas ruas da capital portuguesa num tórrido domingo de julho. Sabe vagamente que tem tarefas a cumprir; entre elas, um encontro marcado para o meio-dia com o poeta Fernando Pessoa."