Rosa Lobato de Faria
Na mercearia gostava de ver o pequeno marçano a sair com o cesto rectangular às costas para distribuir as encomendas das senhoras e encantava-me, logo à entrada, a grande caixa branca e cúbica dos esquimaux, antepassados do esquimó fresquinho, mas incomparavelmente mais deliciosos, com a sua cobertura de chocolate e o seu recheio de sorvete de baunilha.
Lá dentro, passava para trás do balcão e ficava a ver o senhor Andrade ou o filho Rafael a meterem o corredor nas tulhas alinhadas do grão, do feijão, do arroz, da farinha ou do açúcar e encherem, sobre a balança, cartuchos de papel pardo com risquinhas encarnadas.
E que mais há-de ser, e a freguesa lembrava-se que o sal estava a acabar, ou o café, ou o macarrão manga-de-capote, mandava cortar um pedacinho de chouriço de carne, uma delgada fatia de presunto e eu tomava consciência do cheiro bom dos enchidos que nos saudava desde a porta pintada de verde.
Também achava bonito ver mergulhar a escumadeira no alguidar das azeitonas ou observar os gestos de partir a manteiga, fresquíssima, com a faquinha de madeira, colocá-la no papel vegetal e pesá-la, perdoando os poucos gramas a mais, porque o merceeiro orgulhava-se do seu golpe de vista e não dava o braço a torcer quando excedia a quantidade exacta.
À saída, o senhor Andrade desenroscava a tampa prateada do frasco jacente dos rebuçados de fruta e dizia-me que tirasse três, que era a conta que Deus fez, e eu escolhia um de papel laranja-claro, outro vermelho e outro amarelo, tangerina, morango, limão, e guardava-os no bolso do bibe para chupá-los mais tarde, sentada a conversar com os peixes, na beirinha do lago do meu jardim.