Coisas de Cozinha no romance 'Angosta"

Centenas de pratos para lavar

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Depois sentei um pouco no sofá da sala e voltei a olhar a casa, aquela que tinha sido a minha casa por vinte e cinco anos. O que será que, além de seus habitantes, me fazia detestar tanto aquele lugar? O mais desagradável era que ela estava abarrotada de coisas; quase não sobrava espaço nem para andar. Logo ao entrar, à direita, há um cabide cheio de paletós, jaquetas e gorros. À esquerda fica a cozinha. Na cozinha não cabe nem um alfinete. Em cima do fogão não há uma panela nem duas nem três; há umas vinte panelas empilhadas. Minha mãe diz que, se as guardar nos armários, ficam cheirando a barata, a grilos e a umidade. Então ela as deixa lá fora, tanto as sujas como as limpas, tachos, frigideiras, caldeirões, travessas, caçarolas, woks, panelas de pressão, coadores, tigelas. Perto do fogão fica a mesinha auxiliar em que meu pai toma café da manhã. Pratos com migalhas, restos de leite e de café, pedaços de pão seco, manchas de molho de tomate, restos de manteiga, colherinhas com resto de iogurte, grãos brancos de açúcar esparramado, baratas voadoras sobre pingos de geleia. Na pia estão amontoados pratos e mais panelas, copos e talheres que ficam ali apodrecendo por semanas. “Quando eu começo a lavar, lavo a manhã inteira, é assim que eu gosto”, repete meu pai, que é quem deveria cuidar da louça. Para não ser preciso lavar com muita frequência, há centenas de pratos e centenas de talheres. Na mesma pia está o saco de lixo, e ali se misturam e fedem sobras de comida, cascas de frutas, cascas de queijo, restos de arroz e feijão.

Meu pai é gordo como um hipopótamo; minha mãe, neutra como água morna; meu irmão, musculoso como um halterofilista. Eles também me odiavam porque sou magro, fraco mesmo, e não gosto muito de comer. Comia por minha conta, pouca coisa, e recusava os pratos cheios de creme, manteiga, maionese, cheios dos molhos pesados da minha mãe, que não engorda, mas deixa meu pai feito um boi. São capazes de devorar um pudim inteiro, só os três. Um deles engorda, o outro cria músculos, a outra fica lânguida e sonolenta, como se fossem animais prestes a hibernar. Eles não param de comer. A geladeira vive abarrotada, ao abrir a porta caem no chão caixas, pacotes, sacos, vidros, e é quase impossível encontrar alguma coisa ali. Nunca chegam a consumir o que compram, e como nessa confusão não encontram o que procuram, saem para comprar o que já têm.

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Angosta
Héctor Abad
2003
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Héctor Abad é um escritor colombiano nascido em 1958, conhecido por seus romances e ensaios que abordam questões sociais e políticas na Colômbia e na América Latina. Ele é um dos escritores mais respeitados da América Latina e recebeu vários prêmios literários por sua obra. "Angosta" é um romance de Héctor Abad, publicado em 2003. A história se passa em Angosta, uma pequena cidade fictícia na Colômbia, e acompanha a vida de seus habitantes, especialmente a de três personagens principais: Anselmo, Fidel e Elisa. Anselmo é um padre que tenta ajudar os pobres da cidade, mas acaba se envolvendo em conflitos com as autoridades locais e com o próprio bispo da diocese. Fidel é um jovem que se envolve com o crime e a violência para sobreviver, e que se apaixona por Elisa, uma jovem bela e misteriosa que chega à cidade e mexe com a vida de todos. A narrativa de "Angosta" é complexa e multilayered, abordando questões como a religião, a violência, a pobreza, a corrupção e a busca pela identidade. O livro é escrito em uma linguagem poética e envolvente, que reflete a sensibilidade e a habilidade de Héctor Abad como escritor. Além disso, "Angosta" também é um retrato vívido e detalhado da Colômbia e de sua sociedade, e apresenta uma crítica sutil e perspicaz aos problemas políticos e sociais do país. O romance é uma leitura obrigatória para aqueles interessados em literatura latino-americana e em questões sociais e políticas importantes.