Uma loja de Queijos em 'Palomar' de Italo Calvino

O museu dos queijos

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A queijaria apresenta-se a Palomar como uma enciclopédia a um autodidata; poderia memorizar todos os nomes, tentar uma classificação segundo as formas — sabonete, cilindro, cúpula, bola —, segundo a consistência — seco, pastoso, cremoso, estriado, compacto —, segundo os materiais estranhos que entram na preparação da crosta ou da massa — uva-passa, pimenta, nozes, gergelim, ervas, bolores —, mas isso não se aproximaria em nada do verdadeiro conhecimento, que está na experimentação dos sabores, feita de memória e de imaginação ao mesmo tempo, e somente com base nesta se poderia estabelecer uma escala de gostos e preferências, curiosidades e exclusões.

Por trás de cada queijo há um pasto de um verde distinto sob um céu distinto: prados incrustados com o sal que as marés da Normandia depositam todas as tardes; prados perfumados de aromas ao sol ventoso da Provença; há rebanhos distintos com suas estabulações e transumâncias; há segredos de elaboração transmitidos por séculos e séculos. Esta loja é um museu: o senhor Palomar ao visitá-la sente, como no Louvre, em cada objeto exposto a presença da civilização que lhe deu forma e dele toma forma.

Esta loja é um dicionário; a língua é o sistema dos queijos em seu conjunto: uma língua cuja morfologia registra declinações e conjugações de variantes inumeráveis, e cujo léxico apresenta uma riqueza inexaurível de sinônimos, expressões idiomáticas, conotações e sutilezas vocabulares, como todas as línguas nutridas pelo aporte de centenas de dialetos. É uma língua feita de coisas; a nomenclatura é apenas um aspecto exterior dela, instrumental; mas, para o senhor Palomar, aprender um pouco de nomenclatura constitui sempre a primeira medida a tomar para reter por um momento as coisas que perpassam diante de seus olhos.

Tira do bolso um bloquinho, uma caneta, e nele começa a escrever nomes e assinalar ao lado de cada nome algum qualificativo que lhe permita revocar a imagem à memória, tenta mesmo desenhar um esboço sintético da forma. Escreve pavé d’Airvault, anota “bolores verdes”, desenha um paralelepípedo chato e ao lado acrescenta “cerca de quatro centímetros”; escreve St. Maure, anota “cilindro cinza granuloso com um bastãozinho dentro” e o desenha, calculando a olho sua medida, “vinte centímetros”; depois escreve Chabicholi e desenha um pequeno cilindro.

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Palomar
Italo Calvino
1994

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Italo Calvino foi um escritor italiano que viveu de 1923 a 1985 e é considerado um dos autores mais importantes e influentes do século XX. Ele é conhecido por seus livros que exploram temas como a filosofia, a metafísica e a ciência. "Palomar" é um dos livros mais interessantes de Calvino e foi publicado em 1983. O livro é uma série de ensaios ficcionais que exploram as reflexões do personagem-título, Mr. Palomar, sobre a natureza, a arte e a experiência humana. Ao longo do livro, Mr. Palomar observa o mundo ao seu redor, desde o comportamento dos animais até a dança das estrelas no céu noturno. Ele também explora temas como a morte, a religião e a busca pelo significado da vida. Os ensaios são escritos em uma prosa poética e filosófica, que reflete a sensibilidade de Calvino e sua habilidade para explorar as questões mais profundas da existência humana.