Poema licoroso
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Eu já sabia o que ia acontecer. Jorge moveu convulsivamente um braço, ajeitando-se um pouco sobre a mesa de Renato. Estava um pouco pálido, olhava fixamente para a irmã.
- Escuta, bobona, já está pronto. Ouçam os dois, agora vai começar. A palavra é menta, tudo nasce daí, vejo tudo mas não sei o que vai ser. Agora esperem, a sombra da menta nos lábios, a origem sigilosa de certas bebidas que se degustam sob luzes de fumaça, retornam algumas vezes como palavras e se somam à lembrança para não deixá-la sozinha sob as antigas luas. ("Bom poema", disse Marta em meu ouvido enquanto escrevia, rapidíssima). Tudo isto é vão, o importante continua sendo a atitude sóbria dos prédios e as nuvens baixas; no entanto, forma parte de vidas já depositadas no fundo de copos secos, com marcas de lábios na beirada onde a poeira do amanhecer se decanta, inumerável.
Então lembro de um anis seco e penetrante bebido numa casa na rua Paysandú; um refresco engolido no alto calor de Tucumán e um licor de romã flor de fogo num bar japonês de Mendoza. Nesta terra de vinhos profundos, a geografia está cheia de sabores rubros ou áureos, mostos picantes de San Juan, garrafas de Bianchi cuyano e breve glória em fuste altíssimo dos Súter legendários. Este vinho é um caracol andino, aquele é uma noite sem sono e transpassada de acéquias, e o mais amargo e humilde, o vinho de armazém em ruas de terra e salgueiros crescidos, as margens de Buenos Aires onde o fastio convoca a sede.
Jorge se deteve para respirar ruidosamente, fez um gesto estranho com a boca.
- Também é justo debruçar-se sobre a diáfana pequenez das aguardentes, que... Merda, não dá para continuar.
Ergueu-se ofegando. A cor voltava ao seu rosto, mas ele ainda estava meio ausente. Jogou-se numa cadeira.
- Espetáculo demais para tão pouco - me disse Marta. - Parece um catálogo da adega Arizu. Gostei mais dos de ontem, saíram de uma vez só e perfeitos.
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