A melhor maneira de comer o pãozinho de queijo - Crônica de Fabrício Carpinejar

PÃOZINHO DE QUEIJO

Fabrício Carpinejar

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Eu jamais dou mordidas no pão de queijo.

Nunca levo o pão de queijo direto para a boca, como costuma acontecer com a maioria dos fiéis da receita de Minas Gerais.

Meu hábito é tirar nacos com os dedos e comer um pouquinho de cada vez.

Eu vou abrindo o pão de queijo em pedaços e levando aos lábios devagar.

Aprecio dividir o calor do polvilho, enxergar o coração branco pulsar na pele e mastigar com calma.

Parece que rende mais. Parece que tenho mais disponibilidade e que não sou vítima da pressa.

Transformo um pãozinho em mesa das mãos.

A mania não é de agora. Vem de uma lembrança. Vem de um tempo paterno, sem garfos e facas. Vem de um tempo cheirando a balões de gás, picolés e pipoca doce.

Eu incorporei o costume das idas à praça, quando levava meus filhos para passear e oferecíamos comida às pombas.

Despedaço o pão como quem irá jogar farelos para as aves.

Já passaram dez anos desde a última vez que fiz esse gesto, só que o gesto continua em meu sangue.

Não há balanços, gangorras, escorregador, minhas crianças cresceram, e prossigo cortando o pão com as unhas como se fosse distribuir ao solo.

Como se fosse ainda reunir uma porção de bicos próximos aos meus sapatos.

Como se fosse atender a fome do céu e a necessidade de chão de meus pequenos.

Permaneço reproduzindo aquele ato de singela paciência, aquele ato de despojada generosidade.

Não tem jeito de alterar a conduta, estou livre de qualquer ânsia, predomina em mim um cuidado de piquenique, o lento ritual das antigas manhãs ensolaradas.

Não é mais somente um pãozinho de queijo, mas meus filhos, os brinquedos, a migração da infância habitando seu recheio.

Ao dividir o miolo, sempre serei uma família e o centro de um parque. Eu me divido para meu passado. Presto homenagem para minha memória.

Ou talvez, envelhecendo, esteja realmente virando um passarinho. Um passarinho de minhas crianças. Um passarinho barbudo, de olhos imensos e pernas finas.

E arremesso as migalhas para mim. E alimento sem querer o voo da paternidade.

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Segredos de um violino
2016


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Fabrício Carpinejar é um escritor, poeta e jornalista brasileiro, nascido em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, em 1972. Ele é conhecido por sua escrita sensível, que retrata de forma intensa as emoções humanas, principalmente em relação ao amor, à família e à vida cotidiana. Carpinejar iniciou a carreira de escritor ainda na adolescência, com o lançamento de seu primeiro livro de poesias, "As solas do sol" (1988), aos 16 anos. Desde então, publicou mais de 40 livros, entre poesia, crônicas e romances. Além de sua carreira literária, Carpinejar é também conhecido por sua atuação como colunista em jornais e revistas, como a Zero Hora, onde escreveu por mais de dez anos. Ele também já participou de programas de televisão e rádio, e é um palestrante requisitado em eventos literários e culturais pelo país. Fabrício Carpinejar é um escritor brasileiro que se destaca pela sensibilidade de sua escrita e sua capacidade de retratar as emoções humanas de forma intensa e poética. "Segredos de um violino" é uma obra que ilustra bem essa característica, com suas crônicas profundas e tocantes sobre o amor, a família e a vida.