PÃOZINHO DE QUEIJO
Fabrício Carpinejar
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Eu jamais dou mordidas no pão de queijo.
Nunca levo o pão de queijo direto para a boca, como costuma acontecer com a maioria dos fiéis da receita de Minas Gerais.
Meu hábito é tirar nacos com os dedos e comer um pouquinho de cada vez.
Eu vou abrindo o pão de queijo em pedaços e levando aos lábios devagar.
Aprecio dividir o calor do polvilho, enxergar o coração branco pulsar na pele e mastigar com calma.
Parece que rende mais. Parece que tenho mais disponibilidade e que não sou vítima da pressa.
Transformo um pãozinho em mesa das mãos.
A mania não é de agora. Vem de uma lembrança. Vem de um tempo paterno, sem garfos e facas. Vem de um tempo cheirando a balões de gás, picolés e pipoca doce.
Eu incorporei o costume das idas à praça, quando levava meus filhos para passear e oferecíamos comida às pombas.
Despedaço o pão como quem irá jogar farelos para as aves.
Já passaram dez anos desde a última vez que fiz esse gesto, só que o gesto continua em meu sangue.
Não há balanços, gangorras, escorregador, minhas crianças cresceram, e prossigo cortando o pão com as unhas como se fosse distribuir ao solo.
Como se fosse ainda reunir uma porção de bicos próximos aos meus sapatos.
Como se fosse atender a fome do céu e a necessidade de chão de meus pequenos.
Permaneço reproduzindo aquele ato de singela paciência, aquele ato de despojada generosidade.
Não tem jeito de alterar a conduta, estou livre de qualquer ânsia, predomina em mim um cuidado de piquenique, o lento ritual das antigas manhãs ensolaradas.
Não é mais somente um pãozinho de queijo, mas meus filhos, os brinquedos, a migração da infância habitando seu recheio.
Ao dividir o miolo, sempre serei uma família e o centro de um parque. Eu me divido para meu passado. Presto homenagem para minha memória.
Ou talvez, envelhecendo, esteja realmente virando um passarinho. Um passarinho de minhas crianças. Um passarinho barbudo, de olhos imensos e pernas finas.
E arremesso as migalhas para mim. E alimento sem querer o voo da paternidade.