Comendo sem dieta - Sylvia Plath


A Redoma De Vidro
Sylvia Plath
1963
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DISPOSTAS SOBRE A MESA DE BANQUETE DA REVISTA Ladies’ Day havia metades verde-amareladas de abacate recheadas com caranguejo e maionese, travessas de rosbife malpassado e frango frio, além de tigelas esparsas de caviar. Eu não tinha tido tempo de tomar café da manhã na lanchonete do hotel, exceto por uma xícara de café velho, tão amargo que fez meu nariz se contorcer, e estava morrendo de fome.

Eu nunca tinha comido num restaurante decente antes de vir a Nova York. O Howard Johnson’s não conta, já que lá eu só comia batata frita, cheeseburger e frapê de baunilha, acompanhada de gente como Buddy Willard. Não sei direito o motivo, mas não tem nada de que eu goste mais do que comida. Não importa o quanto eu coma, nunca engordo. Mantenho o mesmo peso há dez anos, com uma única exceção.

Meus pratos favoritos são cheios de manteiga, queijo e creme azedo. Fui a tantos almoços de graça em Nova York, com o pessoal da revista e as diversas celebridades que visitavam a redação, que desenvolvi o hábito de passar o olho naqueles imensos cardápios escritos à mão, onde um potinho de ervilhas custa cinquenta ou sessenta centavos, escolher os pratos mais finos e caros e pedir um monte deles.

As contas eram sempre pagas pela empresa, então nunca me senti culpada. Fazia questão de comer tão rápido que nunca deixava as outras pessoas esperando, mesmo as que costumavam pedir apenas uma salada do chef e um suco de toranja porque estavam tentando emagrecer. Quase todo mundo que eu conheci em Nova York estava tentando emagrecer.

— Gostaria de dar as boas-vindas ao grupo de moças mais lindas e inteligentes que já tivemos a sorte de conhecer — arfou em seu microfone de lapela o mestre de cerimônias gordinho e careca. — Este banquete é apenas uma pequena amostra da hospitalidade que a Ladies’ Day, através da nossa cozinha experimental, gostaria de oferecer em retribuição à sua visita.

Depois de palmas esparsas, delicadas e femininas, nos sentamos diante da enorme mesa coberta por uma toalha de linho.

Éramos onze garotas da revista, junto com quase todas as nossas editoras e toda a equipe da cozinha experimental da Ladies’ Day, que usava aventais brancos higiênicos, redinhas de cabelo e uma impecável maquiagem cor de torta de pêssego.

Éramos apenas onze garotas porque Doreen tinha faltado. Por alguma razão arrumaram o lugar dela ao lado do meu, e a cadeira ficou vazia. Guardei a plaquinha com seu nome — um espelho de bolso com “Doreen” pintado no alto em letra rebuscada e uma guirlanda de margaridas ao longo da borda, contornando a cavidade prateada em que a imagem dela apareceria.

Doreen estava passando o dia com Lenny Shepherd. Agora ela passava boa parte do tempo livre com Lenny Shepherd.

Antes do nosso almoço na Ladies’ Day — a grande revista feminina que exibe suculentas fotos de banquetes, coloridas e em página dupla, com tema e locação diferentes a cada mês — havíamos sido apresentadas àquelas cozinhas intermináveis e brilhantes e aprendido como era difícil fotografar uma torta de maçã à la mode sob luz forte, uma vez que o sorvete fica derretendo e tem que ser sustentado por trás com palitos de dente e trocado a cada vez que começa a parecer molenga.

A visão da comida acumulada naquelas cozinhas me deixou tonta. Não que a gente não tivesse o que comer em casa; é que minha avó sempre fazia assados e bolos de carne econômicos e tinha o hábito de dizer, no momento em que você levava a primeira garfada à boca, “espero que você goste, isso custou quarenta e um centavos o quilo”, o que sempre me deu a sensação de estar comendo moedas em vez do assado de domingo.

Enquanto estávamos em pé atrás das nossas cadeiras, ouvindo o discurso de boas-vindas, eu havia curvado a cabeça e secretamente mapeado a posição das tigelas de caviar. Uma delas estava estrategicamente colocada entre mim e a cadeira vazia de Doreen.

Imaginei que a garota à minha frente não conseguiria alcançá-la, dada a montanha de marzipã no meio da mesa, e que Betsy, que estava à minha direita, era boazinha demais para pedir que eu dividisse o caviar com ela, ainda mais se eu o mantivesse perto do meu cotovelo, junto ao pratinho de pão com manteiga. Além disso, havia outra tigela de caviar à direita da garota ao lado de Betsy, e ela poderia comer dali.

Meu avô e eu tínhamos uma piada recorrente. Ele era o garçom-chefe de um clube de campo perto da nossa cidade, e todo domingo minha avó pegava o carro e ia buscá-lo para a folga de segunda-feira. Meu irmão e eu nos revezávamos para acompanhá-la, e meu avô sempre servia o jantar de domingo para a minha avó e quem quer que estivesse com ela, como se fôssemos membros do clube. Ele adorava me apresentar a petiscos especiais, e aos nove anos de idade eu já havia desenvolvido um gosto apaixonado por vichyssoise fria, caviar e patê de anchovas.

A piada era que no meu casamento meu avô iria providenciar todo o caviar que eu conseguisse comer. Era uma piada porque eu não pretendia me casar nunca, e mesmo que isso acontecesse meu avô não teria dinheiro para pagar por todo aquele caviar, a não ser que roubasse a cozinha do clube de campo e levasse tudo embora numa mala.

Sob o abrigo do tilintar das taças, talheres de prata e peças de porcelana, cobri meu prato com fatias de frango. Passei sobre elas uma grossa camada de caviar, como se estivesse passando manteiga de amendoim num pedaço de pão. Então peguei as fatias uma por uma, enrolei para que o caviar não escapasse e comi tudo.

Eu havia descoberto, depois de muita ansiedade de quais talheres usar, que se você fizer algo de errado à mesa com certa arrogância, como se você soubesse perfeitamente que aquele é o jeito certo de fazer as coisas, ninguém vai achar que você é grosseira ou mal-educada. Vão pensar que você é original e muito espirituosa.

Aprendi esse truque no dia em que Jota Cê me levou para almoçar com um poeta famoso. Ele vestia um paletó de tweed marrom horroroso, todo amassado e manchado, calça cinza e uma malha xadrez azul e vermelha aberta no pescoço, isso num restaurante altamente formal, cheio de fontes e candelabros, onde todos os outros homens vestiam ternos pretos e camisas branquíssimas.

O tal poeta comia a salada com as mãos, folha por folha, enquanto me falava sobre a antítese entre arte e natureza. Eu não conseguia tirar os olhos dos dedinhos brancos e pálidos que viajavam do prato de saladas do poeta para a boca do poeta, uma folha de alface úmida após a outra. Ninguém riu dele, nem cochichou nenhum comentário ofensivo. O poeta fez com que comer salada com as mãos parecesse a coisa mais natural e sensata do mundo.

Como nenhum dos editores da nossa revista ou da equipe da Ladies’ Day havia sentado perto de mim, e Betsy tinha um ar doce e gentil — ela nem parecia gostar de caviar —, fui ganhando confiança. Quando terminei meu primeiro prato de frango e caviar, preparei outro. Então ataquei o abacate e a salada de carne de caranguejo.

Abacate é minha fruta preferida. Meu avô costumava me trazer um abacate escondido no fundo de sua bolsa todo domingo, debaixo de seis camisas sujas e da seção de quadrinhos do jornal. Ele me ensinou como comer abacate derretendo geleia de uva e molho francês numa frigideira e preenchendo o oco da fruta com o molho. Eu sentia tanta saudade daquele molho. Perto dele, a carne de caranguejo parecia sem gosto.

— Como foi o desfile de peles? — perguntei a Betsy, quando já tinha relaxado em relação a disputa pelo caviar. Raspei os últimos ovinhos pretos e salgados do fundo do prato com a colher de sopa e lambi.

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"A Redoma de Vidro" (The Bell Jar, no original em inglês) é um romance semi-autobiográfico escrito pela poetisa e romancista norte-americana Sylvia Plath. Publicado em 1963, o livro é notável por explorar temas como a saúde mental, a busca pela identidade feminina e os desafios enfrentados por mulheres na década de 1950.

Infelizmente, Sylvia Plath lutou contra a depressão ao longo de sua vida e morreu tragicamente por suicídio em 1963, pouco tempo após a publicação de "A Redoma de Vidro". O romance ganhou reconhecimento crítico ao longo dos anos e é considerado uma obra seminal na literatura que aborda as questões da saúde mental, identidade e o papel das mulheres na sociedade.