Uma armadilha para o faminto — Joseph Conrad



CENAS EM RESTAURANTES NA LITERATURA UNIVERSAL

"Enquanto isso, o Comissário Assistente já estava ordenando ao garçom de um pequeno restaurante italiano na esquina – uma destas armadilhas para o faminto, comprida e estreita, atraente por uma perspectiva de espelhos e toalhas brancas de mesa; sem ar, mas com uma atmosfera própria – uma atmosfera de culinária fraudulenta, zombando de uma humanidade abjeta na mais urgente das suas miseráveis necessidades. Nesta atmosfera imoral, o Comissário Assistente, refletindo sobre sua aventura, pareceu perder algo mais da sua identidade. Ele se sentia solitário, em má liberdade. Era bem agradável. Quando, depois de pagar pela sua pequena refeição, se levantou e esperou pelo troco, viu a si mesmo no espelho, e ficou surpreso com sua aparência esquisita. Ele contemplou sua própria imagem com um olhar melancólico e inquiridor, e então, por súbita inspiração, levantou o colarinho do casaco. Tal arranjo lhe pareceu recomendável, e ele o completou ao dobrar para cima as pontas do bigode preto. Ele se satisfez com a sutil mudança de seu aspecto pessoal, causada por estas pequenas alterações. “Isso ficou muito bom”, ele pensou. “Ficarei um pouco molhado, um pouco enlameado...”

Deu-se conta da presença do garçom ao seu cotovelo e de uma pequena pilha de moedas de prata, na beira da mesa, diante dele. O garçom manteve um olho nela, enquanto o outro seguia as longas costas negras de uma mulher alta e não muito jovem, que passava para uma mesa distante, parecendo perfeitamente invisível e completamente inalcançável. Ela parecia ser uma freguesa habitual."

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CONRAD, JOSEPH. (1857 - 1924)

O AGENTE SECRETO - THE SECRET AGENT: A SIMPLE TALE

SÃO PAULO : EDITORA LANDMARK, 2010.